Leia abaixo a declaração da LIT-CI sobre a BolíviaAlgumas semanas atrás, o governo boliviano de Evo Morales editou o Decreto 28701, que nacionaliza as reservas de gás e petróleo. A medida foi recebida com grande entusiasmo pelo povo boliviano, que enxerga nela um primeiro triunfo de sua luta revolucionária pela nacionalização dos hidrocarbonetos, que já derrubou dois presidentes. Por isso, embora existam limitações que o governo boliviano impôs ao decreto, a LIT considera que essa é uma medida de caráter antiimperialista.
Não casualmente, o governo imperialista dos EUA se manifestou rapidamente contra o decreto e disse estar preocupado, não tanto por ser o principal afetado pela nacionalização, mas porque ela abre um grave precedente. Condoleezza Rice, referindo-se à Bolívia e à Venezuela, fez ameaças aos demagogos e autoritários que afetam as normas jurídicas e o livre comércio. As empresas imperialistas, especialmente as petroleiras, e a direita européia exigem que seus governos respondam duramente ao decreto. Temem que medidas deste tipo possam estender-se a outros países.
Na mesma direção, a burguesia brasileira (principal afetada em termos econômicos, uma vez que a Petrobras tem os maiores investimentos nas áreas nacionalizadas e o Brasil depende do gás boliviano para o funcionamento de sua indústria) também exigiu do governo de Lula uma resposta contundente. Assim se manifestaram os tradicionais órgãos da burguesa brasileira, como Veja, Época e a Rede Globo.
Frente a estas ameaças, a LIT defende o direito da Bolívia à nacionalização sem indenização do petróleo e do gás. Defendemos que esses recursos naturais, assim como sua industrialização e comercialização, passem para as mãos dos trabalhadores e do povo boliviano. Chamamos todos os trabalhadores e os povos do mundo, especialmente dos países imperialistas e do Brasil, a defender esse direito e a lutar para impedir que seus governos possam concretizar essas ameaças.
Os limites do decreto
Compartilhamos da alegria do povo boliviano, e da maioria dos latino-americanos, por este primeiro triunfo de sua luta. Mas, acreditamos que não devemos nos confundir. Apesar do que afirmam muitos setores, esta medida não se deve ao caráter antiimperialista e popular do governo Morales. Ele mesmo, nos anos anteriores e em meio à luta contra os governos Gonzalo Sánchez de Lozada e Carlos Mesa, manifestou-se contrário à nacionalização e apoiou a política do governo Mesa e a armadilha do plebiscito, realizado em 2004. Por isso, como já assinalamos anteriormente, a LIT sustenta que esta medida é resultado do processo revolucionário boliviano e da luta das massas, que impôs essa vitória a Morales.
Na realidade, vendo-se obrigado a responder a esta luta (que, em última análise, foi o que o levou ao poder), Morales tratou de limitar o alcance da nacionalização com o decreto. Em primeiro lugar, restringiu a nacionalização somente às reservas de hidrocarbonetos, deixando de fora o refino, a distribuição e a comercialização. Além disso, abriu um prazo de negociação de 180 dias com as empresas estrangeiras que atualmente operam nesses setores.
Evo também abriu um período de negociação dos preços pagos pelos países importadores do gás boliviano, hoje muito abaixo do mercado internacional. Recordemos que, por cada dólar a menos que cobra Bolívia pela unidade térmica de gás, o país perde anualmente mais de US$ 300 milhões.
Entretanto, nas negociações com os governos de Brasil e Argentina, Morales praticamente atou suas mãos quando disse que não vai cortar o fornecimento de gás. É como se um sindicato que reivindica aumento salarial entrasse nas negociações avisando que, independente das respostas do patrão, não vai fazer greve.
Avançar na luta pela nacionalização
Frente a estas limitações que Morales impôs à nacionalização, acreditamos que o povo boliviano, fortalecido por este primeiro triunfo, deve avançar e aprofundar sua luta pela nacionalização dos hidrocarbonetos.
É necessário exigir do governo que estenda a nacionalização aos setores de refino, distribuição e comercialização do petróleo e do gás. E também que exproprie as petroleiras imperialistas e a Petrobras, sem indenização, pois o país não deve pagar nem um tostão para quem saqueou sua riqueza por anos.
É preciso que a YPFB (estatal de gás e petróleo da Bolívia) tome a propriedade de todo o complexo petroleiro-gasífero do país. E que a COB (Central Operária Boliviana) e os sindicatos petroleiros assumam o controle da empresa. Finalmente, é fundamental que tanto as negociações pelo preço do gás como os outros pontos negociáveis do decreto sejam feitos publicamente, e não de modo secreto, como vêm sendo até agora.
Uma luta continental
O decreto de Morales também causou grande impacto na vanguarda e no movimento de massas latino-americano e do mundo. Os trabalhadores vêem a medida com entusiasmo e simpatia, como a primeira nacionalização no continente ao longo de décadas de privatizações e entrega dos recursos naturais. A medida, inclusive, já tem um primeiro reflexo no Equador, onde a Justiça suspendeu os contratos da Occidental Petroleum (Oxy), uma das principais empresas imperialistas que operam neste país.
A LIT propõe que este primeiro triunfo da luta do povo boliviano sirva de exemplo e impulsione uma luta continental pela nacionalização. Uma luta que, seguramente, deverá ser feita não apenas contra as empresas imperialistas, mas também contra a política que aplicam os governos do continente, como Lula, Kirchner, Palacio e, inclusive Hugo Chávez.
Na Argentina, por exemplo, está colocada a necessidade de expropriar a Repsol e outras empresas petroleiras imperialistas para reconstruir uma YPF estatal, sob o controle dos seus trabalhadores. No Brasil, é necessário que a Petrobras recupere o monopólio estatal da exploração e volte a ser uma empresa verdadeiramente estatal (hoje a maioria do capital social da empresa está nas mãos de investidores privados) sob o controle de seus trabalhadores. Na Venezuela, está colocada a exigência a Chávez que deixe de entregar áreas às empresas estrangeiras e reverta a privatização encoberta que seu governo vem aplicando na PDVSA (estatal petrolífera venezuelana), através das empresas mistas.
É necessário uma luta continental pela defesa de uma das riquezas mais estratégicas do mundo. Ou elas são utilizadas em benefício dos povos latino-americanos ou seguirão sendo roubadas, como hoje ocorre, em benefício das multinacionais imperialistas.
Chamamos especialmente as organizações operárias, as centrais sindicais e os sindicatos do setor petroleiro e energético a ocuparem um papel central nessa luta. O povo boliviano mostrou que é possível avançar neste caminho. Vamos seguir seu exemplo.
Secretariado Internacional da Liga Internacional dos Trabalhadores Quarta Internacional
São Paulo, 18 de maio de 2006
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