Documento da CIA comprova que cúpula militar comandava execuções contra opositores do regime
Pela primeira vez na história, um documento comprova que a cúpula do regime militar no Brasil autorizou a execução sumária de centenas de opositores. O documento é um memorando da CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos, e foi revelado pelo Bureau of Public Affairs do Departamento de Estado do país. O assunto do documento é a “Decisão do presidente brasileiro, Ernesto Geisel, de continuar com as execuções sumárias de subversivos perigosos, sob certas condições”, conforme diz o memorando de 11 de abril de 1974 enviado pelo diretor da CIA para o então secretário de Estado Henry Kissinger.
O relatório descreve um encontro realizado em 30 de março de 1974 entre o então presidente Ernesto Geisel, o general Milton Tavares de Souza e o general Confúcio Danton de Paula Avelino, o ex-chefe e o novo chefe do Centro de Inteligência do Exército (CIE), e o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e futuro presidente do país.
O general Milton, segundo o relatório, “descreveu o trabalho do CIE contra a subversão interna durante a administração do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici. Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e afirmou que métodos extralegais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos”. “Nesse sentido” – prossegue o relatório – “o general Milton relatou que cerca de 104 pessoas, nessa categoria, haviam sido executadas sumariamente pelo CIE durante o último ano, ou pouco mais de um ano. Figueiredo apoiou essa política e defendeu sua continuidade”. O documento revela também que as execuções deveriam ser autorizadas pela cúpula da ditadura. “O presidente e o general Figueiredo concordaram que, quando o CIE detivesse uma pessoa que poderia ser enquadrado nessa categoria, o chefe do CIE deveria consultar o general Figueiredo, cuja aprovação deveria ser dada antes que a pessoa fosse executada”, segue o relatório.
A barbárie da ditadura é exposta com toda sua crueldade pelo relatório da CIA, que diga-se de passagem, foi aliada dos militares brasileiros. A primeira coisa que o documento mostra é de que nunca houve uma “ditabranda” no período de Geisel, como alguns historiadores, jornalistas e “jornalões” como a Folha de S. Paulo e o jornal O Globo, chegaram a sugerir em todos estes anos.
Esse mito foi principalmente reiterado pelo jornalista Elio Gaspari, que em seus livros sobre a ditadura brasileira, tratou os generais Geisel e Golbery como os grandes responsáveis pela abertura política. Isso foi repetido novamente quando Geisel morreu. Um exemplo é a edição do O Globo de 13 de setembro de 1996 que publica como manchete: “Morre Geisel, o patrono da distensão”. O jornal dizia que o quarto ditador militar a assumir o poder, “iniciou o desmantelamento do regime militar, pavimentando o caminho que levaria o Brasil de volta à democracia”. Ora, o mito da “ditabranda” de Geisel cai totalmente por terra com a revelação do relatório. As execuções e assassinatos eram controlados diretamente pela cúpula militar.
Geisel também esteve envolvido em corrupção. Em uma CPI sobre o Polo Petroquímico de Camaçari, coberta extensivamente pelo jornal O Estado de São Paulo, o deputado João Cunha (MDB-SP) disse que o Geisel havia recebido 200 mil ações de uma das empresas petroquímicas beneficiadas pelo seu governo.
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Impunidade
Ao contrário da maioria das ditaduras da América Latina, no Brasil os crimes cometidos pelo regime militar não foram expostos publicamente. Na Argentina, por exemplo, o ditador Jorge Videla foi preso e morreu na cadeia, em 2013. No Uruguai, o ditador Juan María Bordaberry morreu em prisão domiciliar. Mas tudo isso aconteceu mediante grande pressão popular.
No Brasil, os generais e a burguesia procuraram fazer um acordo para evitar punições por meio da Lei da Anistia, aprovada em 1979 pelo general João Batista Figueiredo. A medida previa a anistia para os que sofreram torturas e prisões nos porões da ditadura, quanto aos torturados e assassinos. Dessa forma, a Lei de Anistia impediu que os militares fossem punidos, bem diferente da situação de outros países da América Latina.
Sanguinária e corrupta, assim era a ditadura. E isso só vai ficar claro quando toda os relatórios secretos daquele período forem publicados. Se por um lado, toda a podridão dos militares começa a aparecer com a divulgação dos arquivos dos EUA, por aqui no Brasil ainda é uma vergonha que os arquivos da época ainda não tenham sido abertos, deixando impunes torturadores, militares e empresários que financiaram o regime. Ironicamente, a defesa de que a apuração não deve resultar na punição dos criminosos, para não alimentar “revanchismos”, foi compartilhada pelos governos do PT, inclusive de Dilma Rousseff, que foi presa e torturada pela ditadura.
É preciso exigir do Estado brasileiro a abertura de todos os arquivos da ditadura para que se desmascarem os torturadores, infiltrados e financiadores do regime militar e para que sejam punidos. Isso é fundamental para que esta violência nunca mais volte a acontecer.