Lula vai taxar os super-ricos? Finalmente, os bilionários vão começar a pagar imposto? Haddad acordou numa bela manhã de sonhos intranquilos e se viu transformado num defensor da justiça social?
A história, infelizmente, não é bem assim. Primeiro, precisamos entender o que está sendo proposta pela Medida Provisória recém-editada por Lula. Ela equipara os chamados “fundos exclusivos de investimento” a outros fundos “abertos”. Um fundo exclusivo é aquele que tem em sua carteira um investidor só, ou uma família. E é bem exclusivo mesmo, porque, para começar, você precisa de meros R$ 10 milhões, e vai gastar uns R$ 150 mil por ano só de “manutenção”.
Calcula-se que 2,5 mil brasileiros tenham esse tipo de conta, que acumularia no total um montante de R$ 756 bilhões. Num país cuja renda média não chega a R$ 3 mil, e que o salário mínimo “reajustado” por Lula é de míseros R$ 1.320, a própria existência desses fundos, e dessa concentração de riqueza, já é um escárnio absoluto.
Mas não acaba por aí. Esses fundos contavam com uma tributação privilegiada, só pagando imposto quando o ricaço resolvesse sacar essa dinheirama da conta. A MP, então, simplesmente iguala esse fundo aos demais, estabelecendo uma alíquota de 15% sobre os seus rendimentos a cada semestre, o chamado “come-cotas”.
Na prática, o governo espera arrecadar R$ 3,21 bilhões em 2023 com essa mudança (isso se essa galera não migrar para outros fundos, inclusive estrangeiros). Preste atenção na diferença: R$ 3 bi de R$ 756 bi. Dá para imaginar que os tais super-ricos não perderão um segundo de seu sono por conta disso, não é mesmo?
Essa medida tanto não ameaça as fortunas dos bilionários que o próprio Michel Temer, em 2017, editou uma MP com o mesmíssimo conteúdo, mas ela acabou caindo no Congresso Nacional. Parece pouco? O ex-ministro Paulo Guedes, esse mesmo que você conhece muito bem, chegou a incluir essa taxação num projeto de reforma tributária em 2021, que também não andou. Ou seja, esses fundos constituem uma anomalia tão esdrúxula que até a burguesia se constrange em mantê-la.
Pra onde vai essa arrecadação?
Ok, não é uma medida de esquerda, não ameaça de fato a fortuna dos super-ricos, mas vai ao menos reduzir a abissal desigualdade social que estamos metidos, não? Seria ótimo, mas também, infelizmente, não é o que vai acontecer.
Para analisar essa medida, é preciso avaliar o contexto. Rico que não pagava imposto, começar a pagar, mesmo que irrisório, é bom? Seria, sem dúvida. Mas essa MP vem na esteira da aprovação do arcabouço fiscal do governo Lula. Trata-se de um novo teto de gastos que vai, nos próximos anos, restringir duramente os gastos públicos em prol do superávit primário (a arrecadação menos os gastos, excluindo os juros da dívida). Isso tudo para remunerar banqueiros internacionais que se enriquecem cada vez mais através do mecanismo da dívida e os juros altos.
E o que isso tem a ver com a MP dos fundos exclusivos? Mesmo com o arcabouço e o seu regime de austeridade, o governo precisa aumentar a arrecadação em pelo menos R$ 130 bilhões para zerar o superávit, a grande obsessão de Haddad. E isso é muito dinheiro, tanto que até a ministra Simone Tebet propõe flexibilizar um pouco essa meta.
Mas, até agora, o ministro da Economia se mostra irredutível em sua ânsia em mostrar serviço aos banqueiros. Aí que entra essa taxação mínima, quase simbólica, dos tais fundos exclusivos. Vão arrecadar R$ 3 bilhões? Faltam só R$ 127 bilhões para fechar a conta do novo teto. E o mais importante disso tudo, esse novo imposto não vai se reverter em serviços públicos, escolas, hospitais ou empregos. Ao contrário, ao sustentar o arcabouço, vai voltar na forma de juros e lucros aos mais super-ricos ainda. Para instituições como a BlackRock, fundo de investimento de 10 trilhões de dólares que vive de parasitar mercados periféricos, e que tem hoje no Brasil uma das suas principais fontes de lucro devido aos juros exorbitantes.
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Veja como é contraditório: uma medida aparentemente “progressiva” vai servir para fortalecer uma política de destruição dos serviços públicos e de ataque aos trabalhadores e aos mais pobres. Tanto que os setores da ultradireita estão calados diante disso, e é bem possível que votem contra a MP, por simplesmente serem contra taxar, mesmo que minimamente, os ricos.
Mas quando um parlamentar de esquerda vota com o governo uma medida que parece boa, no geral acaba fortalecendo um programa econômico contra a população e a favor dos banqueiros e grandes monopólios financeiros. Foi o que aconteceu agora quando o PSOL votou no arcabouço porque o Fundeb ficou de fora do teto.
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Enquanto isso, a reforma tributária que tramita no Congresso Nacional mantém a carga de impostos nas costas dos trabalhadores e da classe média, e isenta os dividendos bilionários das grandes empresas, inclusive as privatizadas como Vale, ou a própria Petrobras, e não toca na grande fortuna e propriedade. O argumento foi que, se essa reforma tributária agora incidiria sobre o consumo, uma segunda etapa taxaria a renda, incluindo os super-ricos. Pois bem, essa segunda etapa já foi deixada para depois, no melhor estilo “na volta a gente compra”.
Justiça social de verdade
Se o governo Lula quisesse realmente promover algum tipo de justiça social, revogaria o arcabouço fiscal, ou qualquer tipo de teto que privilegia banqueiros. Taxaria de verdade os grandes fundos de investimentos e simplesmente expropriaria as offshore, grandes bancos que se resumem a guardar dinheiro de corrupção e todo tipo de crime, com total isenção, uma verdadeira lavanderia de dinheiro institucionalizada.
E, principalmente, acabaria com o imposto sobre o consumo, o contrário dessa reforma tributária do governo Lula aprovada no Congresso Nacional. Isentaria os mais pobres do Imposto de Renda, como prometera, e implementaria um imposto fortemente progressivo. E duplicaria o salário mínimo, ao contrário desses R$ 18 concedidos agora. Dinheiro para isso há, principalmente agora que sabemos que, além de tudo, existem quase 800 bilhões nos tais fundos exclusivos. Por que, ao invés de taxar 15% os rendimentos dessas fortunas para dar aos banqueiros, não expropriar essa grana e concretizar políticas públicas que, realmente, significassem “justiça social”?