Nos últimos dias, uma série de fatos complicou a vida de Bolsonaro e do seu entorno.
Primeiro, o caso das joias. Depois de três meses trancafiado, seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, indica que confessará que serviu como mediador, junto com seu pai, o general Lourena Cid, para a venda, nos Estados Unidos, das joias surrupiadas da Presidência, a mando de Bolsonaro.
Além de servir como atravessador para a venda de joias roubadas, Cid também ajudava na organização de uma tentativa de golpe, como comprovou a inspeção da Polícia Federal em seu celular.
Ainda nesse tema, houve o depoimento do “hacker” Walter Delgatti, à CPI do 8 de janeiro, na qual ele confirmou ter se reunido com Bolsonaro e o general Paulo Sérgio Nogueira, então Ministro da Defesa, para tentar fraudar as urnas e melar as eleições.
Para completar os reveses do bolsonarismo no último período, houve a prisão do Comando da Polícia Militar do Distrito Federal, por sua ação no mesmo 8 de janeiro.
Não à blindagem! Punição e prisão para toda a gangue!
Os novos fatos vindos à tona reforçam que o bolsonarismo, junto com o Alto Comando das Forças Armadas, formaram, e ainda formam, um grupo criminoso. Não só com pretensões de investir contra as liberdades democráticas, mas, também, roubar objetos públicos para repartir o dinheiro como uma verdadeira gangue de ladrões.
Mas, se o Alto Comando das Forças Armadas continua blindado pela Justiça, pelo Congresso e pelo próprio governo Lula; Bolsonaro, porém, se vê a cada dia mais próximo da cadeia.
Bolsonaro tem que ir para a cadeia, sim. Mas, a cúpula das Forças Armadas também precisa ser investigada e punida pela tentativa de golpe e pela corrupção.
É preciso acabar com essa blindagem, que tem como objetivo manter intacta a cúpula militar e a estrutura das Forças Armadas e, junto com isso, acabar com a excrescência do Artigo 142, esse resquício da ditadura, utilizado como uma carta coringa para servir como uma chantagem permanente contra as liberdades democráticas e, ainda, assegurar o poder e os privilégios que eles ganham com isso.
Xandão não é a solução
Justiça burguesa não vai derrotar a extrema direita e acabar com a corrupção
A expectativa da prisão de Bolsonaro vem animando parcela significativa da população e da classe trabalhadora. Com toda a razão, pois estamos falando de uma extrema direita que, durante os quatro anos que esteve no poder, foi responsável por centenas de milhares de mortes na pandemia; por duros ataques contra os setores mais oprimidos; pelos retrocessos nos direitos, como na Reforma da Previdência; pela destruição do meio ambiente e por crimes contra os povos originários, além da ameaça permanente às liberdades democráticas.
Mas é preciso perguntar: a prisão de Bolsonaro resolve os problemas com a extrema direita ou a corrupção? É preciso defender cadeia para todos os corruptos e golpistas, de Bolsonaro à cúpula das Forças Armadas, que conspiraram contra as liberdades democráticas, sem esquecer dos grandes empresários que financiaram o “8J”. Mas isso, por si só, não vai acabar com a ultradireita, muito menos com a corrupção.
Só a mobilização pode combater a ultradireita
Os sucessivos fracassos dos governos reformistas na América Latina, como o de Gabriel Boric (Chile), ao recente sucesso, na Argentina, do extremista de direita, Gustavo Milei, na esteira da enorme crise deixada por Alberto Fernández, comprovam como a extrema direita cresce e é impulsionada pela desmoralização da “esquerda”.
Já a reabilitação de Donald Trump, nos EUA, nos adverte para não confiarmos na justiça burguesa para derrotar a ultradireita, como faz o PT e grande parte da esquerda. Trump estava praticamente no chão quando uma série de processos judiciais forneceram o quadro perfeito para ele reforçar sua falsa imagem como uma alternativa antissistema.
Aqui pode acontecer o mesmo. Ou seja, uma eventual ordem de prisão expedida por Alexandre de Moraes contra Bolsonaro não vai acabar com o bolsonarismo. Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) é uma instituição comprometida com a estabilidade do regime burguês, igualmente corrupta, e que, por isso, não vai até o fim no enfrentamento com a extrema direita.
Sem confiança na burguesia
Nem se pode confiar nessa burguesia hipócrita, corrupta e subserviente que, se hoje parece querer ver Bolsonaro pelas costas, amanhã não hesitará em reabilitá-lo, ou a qualquer outro setor da extrema direita, como alternativa de poder.
O mesmo pode ser dito sobre o Congresso Nacional, com o exemplo mais recente vindo da CPI do 8 de janeiro, em que se desenha o indiciamento dos peixes pequenos para livrar a cara do Alto Comando das Forças Armadas.
Para enterrar a extrema direita e mandá-la de volta para o esgoto é preciso mudar, de verdade, as condições sociais que a criaram e impulsionaram.
E isso só vai acontecer a partir de um forte processo de mobilização social que enfrente, e derrote, os ataques em curso e o projeto econômico tocado por sucessivos governos. Projetos e ataques que Lula e Haddad, juntos com o Centrão, seguem implementando em sua essência.
Ultradireita
Reflexo da crise capitalista
Para enfrentar o bolsonarismo é preciso debater como foi possível a ascensão desse setor que surgiu e cresceu a partir de pequenos roubos e achaques e que, unido aos militares e a setores do capital financeiro e da burguesia, ainda permanece como alternativa para milhões de pessoas.
Como exemplo, uma pesquisa da Quaest, realizada no olho do furacão das denúncias contra Bolsonaro, mostrou que 43% são contra a sua prisão, contra 41%. Ou seja, mesmo recuado, com as provas de sua delinquência à vista de todos, o bolsonarismo ainda mantém uma sólida base social.
Não há outra explicação para isso que não o longo processo de retrocesso e decadência vivido pelo país nas últimas décadas. Processo ligado a um papel cada vez mais subordinado do Brasil ao imperialismo e com o avanço da reprimarização da economia (produtor e exportador de recursos agrícolas e minerais), superexploração e rapina.
Em suma, o bolsonarismo e o fenômeno da extrema direita são indissociáveis da recolonização vivida pelo Brasil e da própria crise capitalista.
O papel dos governos do PT
Para entender como chegamos à situação atual, é preciso entender esse retrocesso e o papel cumprido pelos governos de conciliação de classes do PT, tanto os anteriores quanto o atual.
Ao governarem gerindo o sistema capitalista, com e para a burguesia e o imperialismo, os governos petistas navegaram esse processo, aprofundando a recolonização e a subordinação do país. O social-liberalismo petista que garantiu algumas concessões a setores da população em conjunturas de crescimento, como no “boom” das commodities (produtos primários de origem agrícola, pecuária, mineral), também manteve o país no curso de sua decadência.
Nesse mesmo sentido, ao não passar a limpo os crimes da ditadura militar e, pelo contrário, preferir contemporizar com o Alto Comando das Forças Armadas, os governos do PT permitiram que eles se organizassem para se fundir ao bolsonarismo e criar a configuração da atual extrema direita no Brasil.
Basta lembrar que os principais nomes das Forças Armadas que encabeçaram o governo Bolsonaro, como o general Heleno, ganharam projeção justamente na ocupação do Haiti, uma política do governo Lula, a mando dos EUA.
A desmoralização dos governos do PT, em meio à crise econômica, social e política, aprofundada com mais ataques, acelerou a perda de sua base social. Atingiu os setores mais pauperizados e grandes parcelas da classe média e, ainda, forneceu o combustível que faltava para a explosão da extrema direita e do bolsonarismo.
Uma crise que se refletiu na crise do próprio regime, com a implosão da chamada “Nova República”, dos pactos e acordos” de partidos e sua correlação de forças no Congresso Nacional.
Dando mais corda
Política do PT retroalimenta a extrema direita
Ao manter e aprofundar uma política econômica neoliberal, com o Arcabouço Fiscal; a manutenção, na prática, do Preço de Paridade Internacional (PPI), que provocou o aumento nos combustíveis recentemente; a entrega do país através de um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tocado pelo capital privado; a Reforma Tributária, que mantém a taxação sobre os mais pobres, enquanto deixa os bilionários isentos, o governo Lula mantém o Brasil nessa mesma rota de retrocesso e decadência.
Basta ver que, pouco depois do apagão que expôs o absurdo da privatização da Eletrobrás, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, declarou à imprensa que a reestatização “não está na pauta” do governo.
E o resultado disso não poderia ser outro: o aprofundamento da deterioração da situação social, com o desemprego e a precarização nas alturas, e a explosão dos elementos de barbárie, como as recentes chacinas policiais. Não por acaso, com a PM do governo baiano, dirigido pelo PT, ocupando o topo do ranking da matança.
Essa política tocada pelo PT é a repetição da História. Mas, agora, sob a forma de uma tragédia ainda maior. Num momento em que as Forças Armadas se veem numa enorme crise, inclusive com sua credibilidade se erodindo diante da opinião pública, Lula se reúne com o Alto Comando para acalmá-las e negociar sua impunidade.
A extrema direita, ao contrário de 2018, está mais organizada, armada, com peso de massa, inclusive nas bases das polícias e militares, e à frente de estados, como em São Paulo. E ela vai continuar avançando, quanto mais avançar o projeto capitalista e pró-imperialista do governo Lula. Para derrotar o bolsonarismo, é preciso derrotar o governo do PT.
Para derrotar o projeto capitalista levado a cabo, hoje, pelo governo Lula, e reverter o processo de decadência do país, é necessário construir uma alternativa revolucionária e socialista.