O design gráfico não está separado da luta de classes. Quando os panfletos já não bastam, é preciso que os muros gritem. É assim que o design gráfico e, em especial, os cartazes são também a história da luta de classes.
Na semana em que se completam 70 anos da Nakba – a fundação do Estado racista de Israel (leia aqui nossa declaração política), separamos alguns cartazes para contar um pouco da luta do povo palestino. São sete décadas de resistência, com diferentes organizações e diferentes políticas e, portanto, muito material.
O que reunimos aqui é uma pequena amostra do simbolismo e da arte gráfica da heróica resistência palestina.
1 – FUNDO NACIONAL PALESTINO
Um ano após a sua fundação, em 1964, a OLP (Organização para Libertação da Palestina) publica sua primeira coleção com quatro cartazes. Os cartazes foram encomendados para o artista gráfico Ismail Shammout. Nesse cartaz de 1965, mãos depositam dinheiro em uma caixa onde se lê “Fundo Nacional Palestino”. E em vermelho “Pela Palestina”.
Havia um slogan para as doações que era “Pague um piastre [espécie de centavo egípcio], recupere um acre”. Era uma resposta moral e política ao slogan sionista usado para doações nos Estados Unidos em 1940: “Pague um dólar, mate um árabe”.
2 – SOMOS TODOS PELA RESISTÊNCIA
Esse segundo cartaz faz parte da coleção inicial da OLP encomendada a Ismail Shammout. A ideia do cartaz era popularizar o logo da OLP, que aparece em cima, no centro do cartaz. Em verde está escrito “Organização para Libertação da Palestina”, sustentado como um tempo grego em que as colunas são representadas por pessoas de diferentes classes sociais. Abaixo, em preto, lê-se “Somos todos pela resistência”.
A OLP é uma frente única composta por 10 partidos. Foi fundada em 1964 e tinha como meta a libertação da Palestina através da luta armada, mas essa postura foi sendo revista. Em 1991, na Conferência de Madri, deixou de ser considerada uma organização terrorista pelos EUA e em 1993, através dos Acordos de Oslo, passou a reconhecer Israel como Estado. Os acordos também reconheciam a OLP como representante do povo palestino. Na época, Yasser Arafat (do Fatah) estava à frente da OLP. Nos acordos também estavam previstos o fim dos conflitos, o que nunca aconteceu.
3 – O NASCIMENTO DO FATAH
A maior fração dentro da OLP é o Fatah (Movimento de Libertação Nacional da Palestina), fundado em 1959 pelo então engenheiro Yasser Arafat e por Khalil al-Wazir. Em 1965, um ano após a fundação da OLP, o Fatah decide pegar em armas. É dessa época que vem o seu logo – com duas armas e uma granada. A política da luta armada foi abandonada e ideologicamente o Fatah se alinha à social-democracia e ao nacionalismo árabe. Outros grupos dentro da OLP assumem posturas mais à esquerda. Atualemente, a OLP é dirigida por Mahmoud Abbas, do Fatah.
Esse cartaz de 1983 comemora a fundação do Fatah. Uma granada nasce de um ovo chocado em um ninho de kuffiyeh [lenço tradicional palestino] onde também há algumas penas ensanguentadas. No texto: “Nascimento do Fatah: uma política independente é uma munição independente”.
4 – A CHAVE DE NOSSA CASA
Como resultado da criação do Estado de Israel e do início da limpeza étnica promovida pelos sionistas, cerca de 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras e cerca de 500 aldeias foram destruídas. Muitos desses que foram expulsos levaram consigo as chaves de suas antigas casas. Guardadas até hoje, as chaves se transformaram em símbolo do direito ao retorno e da resistência palestina. Nesse cartaz publicado em 1983 pelo Fatah (Movimento de Libertação Nacional da Palestina), uma chave é representada com a ponta de uma metralhadora. Logo abaixo está escrito: “A chave de nossa casa”, colocando a necessidade da luta armada para garantir, de fato, o direito ao retorno às terras natais.
5 – REVOLUÇÃO ATÉ A VITÓRIA
Cartaz comemorativo dos 16 anos da política de luta armada do Fatah. Um fuzil representado como uma vela ilumina o cartaz. Enrolada no fuzil, uma bandeira da Palestina faz um movimento esvoaçante para cima. No texto: “Revolução até a vitória”. O cartaz é de Ismail Shammout.
6 – A FPLP
Capa de um boletim da FPLP (Frente Popular para a Libertação da Palestina) de 1981. Embora não seja propriamente um cartaz, os materiais da FPLP merecem destaque. Boa parte deles foram feitos pelo artista gráfico suíço Marc Rudin e são um capítulo à parte na memória gráfica da resistência palestina.
A FPLP foi fundada em 1967 por George Habash após a resistência à ocupação da Cisjordânia durante a Guerra dos Seis Dias. Ideologicamente é uma organização leninista e, de certa forma, manteve-se independente do stalinismo. Crítica ao Fatah, é contrária à solução de dois estados e está, portanto, à sua esquerda politicamente. Em 1968, após um racha seu, nasceu a FDLP (Frente Democrática para a Libertação da Palestina) de orientação maoísta. Atualmente as duas organizações fazem parte da OLP e fazem uma oposição moderada de esquerda ao Fatah.
7 – BLOQUEIO DA ESTRELA DE DAVI
Outro trabalho da FPLP por Marc Rudin, publicado em 1980. É um cartaz para o 15 de Maio, data da Nakba. Em árabe, Nakba quer dizer “catástrofe”. É a maneira pela qual os palestinos se referem à fundação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948.
No cartaz, um vilarejo abandonado tem sua entrada bloqueada por estrela de Davi, também conhecida como Selo de Salomão. É um antigo símbolo reivindicado pelos judeus e está presente na bandeira de Israel. A estrela também é usada para representar o sionismo. No cartaz, a representação é a de que o sionismo impede os palestinos de voltarem para suas terras. No texto: “Não há solução a não ser destruir o sionismo”.
O segundo cartaz, à direita, tem a mesma representação mas ao invés de um vilarejo, a porta de uma casa.
7 – DO RIO AO MAR
Cartaz de 1976, também do Fatah, publicado em ocasião do 15 de maio, a Nakba. Em árabe: “Eu carreguei uma arma para que as próximas gerações carreguem uma foice”. Na imagem um combatente palestino projeta a sombra da Palestina sobre o mar – provavelmente em uma referência à exigência de liberdade “do rio ao mar”. Carregar uma foice, no caso, deve ser interpretado como o direito à terra.
8 – LARANJA DE JAFFA
A laranja Jaffa, ou laranja Shamouti, é uma variedade específica de laranja que nasce na Palestina. Por conta disso é comum encontrar cartazes em que as laranjas são usadas como símbolo da Palestina, como é o caso desses dois cartazes de Marc Rudin.
No cartaz azul, sangue escorre de uma laranja Jaffa perfurada por uma baioneta. A data – 1948 – refere-se à fundação do Estado de Israel e a baioneta à limpeza étnica sionista. À esquerda (à frente, portanto, já que árabes leem da direita para esquerda), uma baioneta é quebrada por uma pedra e a data é 1989. O artista se refere aqui à Primeira Intifada (1987-1993) que também ficou conhecida como Guerra das Pedras. O levante popular espontâneo começou em 1987 no norte de Gaza, no campo de refugiados de Jabaliyah, quando palestinos enfrentaram com pedras a repressão israelense. A pedra passou a ser o símbolo da intifada.
O cartaz marrom é de 1975, publicado pela FPLP. Uma laranja Jaffa é representada como uma granada. No texto está escrito: “Estrelas no céu da terra materna”.
9 – INTIFADA
Além de 1987, uma Segunda Intifada teve início em setembro de 2000. O levante teve início após uma visita de Ariel Sharon, então primeiro ministro de Israel, ao Monte do Templo (Al Aqsa). A visita foi vista como provocação pelos palestinos que deram início ao levante.
No ano passado, em 2017, os EUA decidiram reconhecer Jerusalém como capital de Israel indo contra a comunidade internacional que reconhece Tel Aviv como capital. Por conta da decisão, o Hamas decidiu convocar a Terceira Intifada.
No cartaz azul: “Flores da liberdade”, uma pedra (intifada) nasce de uma flor com pétalas de kuffiyeh (lenço).
No cartaz vermelho: “A pedra vinga o sangue palestino”.
No cartaz com a mulher: “Nós carregamos a vitória para terra natal”.
10 – SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL
A causa palestina tem grande repercussão internacional. Com isso, acaba recebendo também uma forte solidariedade. É o caso desses cartazes do Canadá, União Soviética, Cuba e Vietnã (respectivamente).
Um detalhe: embora a União Soviética tenha se solidarizado com a a luta do povo palestino, o apoio foi pontual. A linha do stalinismo era de rechaçar os “agressores israelenses” sem que, contudo, questionassem a existência do Estado de Israel. A URSS tinha interesses diplomáticos na região e foi o segundo país a reconhecer como legítimo o estado sionista. Esse é o papel nefasto do estalinismo com a causa palestina