PSTU-SC
Jo, militante do PSTU Joinville (SC)
Pouco mais de uma semana antes do ato nacional em defesa das mulheres, viralizou nas redes sociais o conteúdo de um “coach de masculinidade” que ficou conhecido por falas machistas, misóginas e masculinistas. Quando foi exposto e ridicularizado na Internet, ameaçou principalmente mulheres com “processo ou bala”.
Dentro desse debate, tem se discutido muito os movimentos masculinistas, de culto ao masculino, como os “incels”, os “red pills”, os “alphas” ou quaisquer outros nomes que se tenham criado pra alimentar o mito do “homem ideal”.
Mas um debate que vejo muito pouco é: o que leva jovens adolescentes a entrar em lógicas tão descabidas e agir como animais caçadores, ou ainda desumanizando as mulheres como sendo uma “outra espécie”?
Ouvindo cortes das falas destes “coaches”, tem me chamado muito a atenção o apelo pela argumentação de que “sempre foi assim” ou “como nossos pais, nossos avós são assim, nós também temos o direito de ser”, primeiro como se isso tivesse algum fundamento histórico real ou como se o comportamento dos antepassados fosse justificativa para o comportamento atual da sociedade e não houvesse como mudar isso.
Para falar de comportamento de jovens brasileiros, é necessário levar em consideração a cultura e formação da história do próprio Brasil, pois, mesmo usando termos em inglês e sendo o movimento masculinista algo que se espalha entre jovens no mundo inteiro, o comportamento das pessoas é sim um reflexo do meio onde se está inserido, e compreender o meio ajuda a compreender os indivíduos inseridos nesse meio.
O Brasil, último país a abolir, legalmente, a escravidão, tem apenas 135 anos desde a Lei Áurea, uma lei superestimada que jogou milhares de pessoas na miséria sem nenhuma indenização, sem terras, sem reforma agrária e ainda sendo criminalizados por “vagabundagem”, que nada mais era que uma forma de prender e punir ex-escravos.
Ainda assim, vemos que até hoje o comportamento escravagista está embutido na nossa sociedade, seja nas vinícolas, nas grandes empresas de açúcar, café, nos trabalhos terceirizados, como o caso denunciado no CBEA de Joinville, e inclusive dentro de casa.
O trabalho doméstico é o trabalho escravo mais aceito socialmente hoje em dia. Os dados do IBGE de 2017 mostram a diferença gritante no gerenciamento do lar, principalmente quando se trata de fazer a comida e limpar a casa. Vemos também nos casos recentes de mulheres negras que eram “herdadas” por famílias para cuidarem dos filhos de famílias brancas, cuidar da casa e gerenciar o lar, como foi relatado recentemente no Rio de Janeiro e no caso abordado no podcast da “Mulher da Casa Abandonada”.
Com a crescente voz das mulheres na sociedade, com o fortalecimento dos movimentos feministas e da participação das mulheres trabalhadoras na construção política, é cada vez mais difícil mulheres aceitarem se colocar em lugar de submissão e de exploração, seja por um patrão rico, seja para uma limpeza semanal para uma família de classe média ou pelo marido “que a sustenta”.
Em reação a esse movimento, se criam novas narrativas para amenizar o discurso machista e justificar a exploração do trabalho doméstico como forma de disfarçar o fato de que estes homens não desejam uma esposa ou companheira, mas uma empregada, uma governanta, uma “do lar”, para explorar seu trabalho doméstico para que estes homens, verdadeiros “inúteis disfuncionais”, consigam ter tempo livre para trabalhar e desenvolver suas carreiras profissionais, tentando enriquecer em nome de uma “meritocracia” que falha desde sua origem.
Esse comportamento se forma dentro dos lares brasileiros, quando a filha mulher é colocada para lavar louça enquanto o filho homem joga vídeo game ou assiste futebol. Quando os filhos masculinos são tratados de forma diferente dentro de casa, sem participar do gerenciamento do lar de forma igualitária, sem entender as necessidades de manter a limpeza e manutenção do lar, crescem como adultos disfuncionais que não sabem lavar a própria roupa e muitas vezes não sabem nem como preparar a própria comida.
Por que parece tão absurdo uma mulher que não sabe lavar louça, mas um homem que não faz mais que um miojo é algo tão socialmente comum?
Para além do gerenciamento do lar, a normalização da disfuncionalidade masculina também avança para o âmbito emocional e social. Pessoas socializadas pela masculinidade aprendem a reprimir as emoções, não tocam em outros masculinos, não trocam afeto, não choram e tratam pessoas femininas como uma espécie diferente a ser domesticada e submetida a seus interesses egocêntricos.
Esse acúmulo de distorções se projeta numa sociedade capitalista que exige o máximo de produtividade com o menor gasto possível, com uma promessa de “ascensão social” dentro de uma sociedade que foi criada por homens, brancos, cisgêneros, heterossexuais e ricos para privilegiar os seus. Assim, o comportamento normalizado dos homens perpetua uma noção de que o homem, principalmente o homem-cis-branco e de preferência heterossexual, é o protagonista da sociedade e qualquer outro ser humano deve submissão a ele.
Uma análise de comportamento tem várias camadas tal qual uma cebola e, para ampliar a compreensão desse comportamento masculinista, é necessário também falar de padrões estéticos entre homens. O padrão de beleza é amplamente discutido entre os debates de mulheres, de como esse padrão as oprime, as mutila, as segrega e as mata. Entre os homens não seria diferente. O padrão de beleza é algo muito mutável e inalcançável, onde algumas pessoas com características específicas são colocadas como “abençoadas por Deus ou pela genética”, enquanto outras tentam a todo custo alcançar essas características mediante dietas, condicionamento físico ou intervenções cirúrgicas. Isso se expressa bem nos comportamentos de homens em academias de ginástica e no aumento em cirurgias estéticas entre homens nos últimos anos, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).
Essas culturas masculinistas enaltecem tipos físicos muitos específicos, geralmente remetendo ao padrão do homem branco “nórdico”, com queixo quadrado, ombros largos, atlético e às vezes até barbudo, mas alguns defendem variações conforme sua própria genética. Assim, como entre as mulheres, muitos homens se reprimem, se mutilam, sentem culpa e se punem por questões que vão além do seu controle. Justificam comportamentos nocivos e descontam suas frustrações nas mulheres e em tudo que possa tirar essa culpa de suas mãos, exceto suas causas reais, pois isso atacaria o masculinismo que tanto defendem, seria atacar esse “privilégio” que eles pensam que tem e tudo em que acreditam.
Sendo assim, o masculinismo se manifesta como efeito colateral extremo de uma sociedade capitalista que se alimenta da exploração e, para justificar essa exploração, cria narrativas das mais absurdas para justificar a desumanização do outro e, consequentemente, justificar a desvalorização do seu trabalho para aumentar a margem de lucro de quem explora.
Da mesma forma, a sociedade capitalista se alimenta desse processo de desumanização do outro pra desvalorizar seu trabalho e lucrar ainda mais com a sua exploração. Não à toa que sempre houve grandes empresários contra a libertação dos escravos no Brasil, contra os direitos trabalhistas, apoiando as ditaduras militares, reformando o trabalho, a Previdência, para poder pagar sempre o mínimo possível e escancarar sua margem de lucro.
Então, lutar contra o machismo, contra o racismo, contra a homotransfobia, e contra toda a forma de desumanização do outro, é sim lutar contra o capitalismo, contra toda forma de exploração que visa colocar alguns poucos acima dos demais e, consequentemente, é lutar por uma sociedade igualitária, justa, onde os trabalhadores não sejam dependentes de seus patrões, mas que possam eleger todos os seus representantes e decidir diretamente o rumo de suas riquezas.
Uma sociedade em que homens não sejam criados como superiores, mas como indivíduos tão importantes quanto todos os outros. Uma sociedade onde todos saibam lavar a própria roupa, fazer a própria comida, gerenciar o próprio lar e dispor de sua força de trabalho como qualquer pessoa. Mas isso não se faz da noite para o dia, não se faz apenas elegendo políticos, mas se organizando politicamente, de maneira independente, e na luta pelo socialismo.