Vera Rosane
Por: Maíra Teixeira Cordeiro, professora da Educação Especial em Sapucaia do Sul-RS; Vera Rosane, membra da Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU.
O Livro O Avesso da Pele foi o terceiro do escritor Jeferson Tenório. Lançado em agosto de 2020, o romance tem colecionado vários elogios. Tenório foi o primeiro autor negro a ser patrono da tradicional Feira do Livro de Porto Alegre que, em 2020, teve sua 66º edição. Nascido no Rio de Janeiro e radicado no Rio Grande Sul desde a juventude, o autor é professor, formado em Letras pela UFRGS e doutorando em Criação Literária pela PUC-RS.
Entre muitos elementos que a população negra deve reivindicar no marco das reparações históricas, o terreno da cultura, no caso da Literatura, também é um deles. Especialmente no Rio Grande do Sul, uma das regiões mais segregadas de nosso país.
Isto é ainda mais candente hoje, já que o mundo encontra-se no marco de muita discussão e efervescência das questões raciais seja pelos enfrentamentos de violência racista, das consequências da pandemia e da crise econômica para negros e negras em todos os cantos do mundo.
A luta dos negros e negras perpassa todos os aspectos de nossa vida, e muito das ideologias racistas materializam-se nas artes e na literatura. Assim, o autor Jeferson Tenório como o primeiro negro a ser Patrono na Feira do Livro de Porto Alegre-RS – um espaço historicamente dominado pela pequena burguesia branca de Porto Alegre – torna-se significativo no marco da resistência cultural negra. A resenha que apresentamos abaixo nos convida a este diálogo de luta, enfrentamento cotidiano e resistência.
O livro conta a história do jovem Pedro, que acabou de perder o pai, o professor Henrique. Mas vai muito além disso. Com alguns traços autobiográficos, o livro se aprofunda nos personagens, na vida dos mesmos e em como as tensões raciais vão influenciando o caráter das pessoas que formaram aquela família.
Toda a narrativa é construída como se Pedro estivesse falando com seu falecido pai. Nos momentos em que o filho conta fatos da vida de seu genitor, o romance fica em uma espécie bastante rara de narração, em segunda pessoa. Isso traz uma proximidade entre pai e filho que demonstra uma ligação bastante profunda entre ambos. Embora a escrita de Tenório não seja arrastada, há momentos de reflexão bastante profunda dos personagens.
Os capítulos do livro não seguem ordem cronológica, intercalam fatos da vida do pai e da mãe de Pedro, assim como dele próprio. Isso não atrapalha o ritmo da narrativa. A maior parte do romance é ambientada em Porto Alegre. Uma pequena parte se passa pouco no interior de Santa Catarina: infância e juventude de Martha, mãe do protagonista. O livro traz, portanto, diferentes experiências de vivências e de racismo em duas regiões do sul do Brasil.
Fatos vão demonstrando como o racismo da sociedade interfere nas relações entre as pessoas, sejam elas profissionais, românticas ou familiares. Também é visível a diferença de como Martha (órfã de pai e adotada por uma família branca) e Henrique (criado por sua família biológica, negra) lidam com as questões raciais com o movimento negro. Henrique traz essas questões de uma forma muito mais clara para si mesma e transmite isso para seu filho, que demonstra consciência semelhante à do pai.
Em determinado momento, Henrique tem uma aula onde aprendeu sobre como teorias eugenistas foram utilizadas para justificar o racismo e também sobre figuras como Malcom X e Martin Luther King, ministrada pelo professor Oliveira, que foi uma figura inspiradora para o personagem, ainda em sua juventude. O professor Oliveira é uma referência a Oliveira Silveira (1941-2009), importante militante, poeta e professor, ganhador de muitos prémios, defensor do 20 de Novembro como Dia da Consciência Negra e figura que, ainda na década de 70, sugeriu a mudança do trecho do hino do Rio Grande do Sul de “Povo que não tem virtude acaba por ser escravo” para “Povo que é lança e virtude/ a clava quer ver escravo.”
O Avesso da Pele, embora mostre uma realidade dura enfrentada pela população negra do sul do Brasil, também mostra que há resistência. Embora o livro seja contundente ao falar do preconceito sofrido pelos negros ele traz os protagonistas Pedro e Henrique como exemplos de pessoas que resistiram a isso tudo afirmando sua raça e classe e provoca o leitor a tomar posição contra o racismo ainda presente na sociedade.