Reconhecida pela comunidade LGBTT e sucesso na internet, MC Xuxú lançou nesse dia 29 seu primeiro álbum intitulado Senzala. O disco é de um relato vivo da realidade das mulheres negras e trans que lutam, cotidianamente, para sobreviver e ter a autoestima reconstruída. Daí o nome Senzala, uma referência direta à herança colonial e à dura realidade da população negra no Brasil. “Resistência é isso, sobreviver”, diz a MC em uma das faixas
Depois dos sucessos “Um beijo” e “Bonde das travestis”, o álbum marca um momento mais consciente e politizado da cantora. “Um disco todo dedicado a pessoas trans da periferia, negras e negros, que me representam e que eu tenho a missão de representa-los”, afirma Xuxú. Isso, no entanto, não significa que seja um trabalho panfletário. Em algumas letras, a transfobia e a opressão são tratadas com deboche, o que ajuda a conciliar a denúncia da violência com a descontração do ritmo.
A data escolhida para o lançamento também não foi ao acaso. Dia 29 de janeiro é Dia da Visibilidade Trans no Brasil. Com dez faixas, o álbum traz influências do rap e do jazz, adicionando novos instrumentos ao tradicional pancadão do funk. O disco ainda tem participação de outros nomes da música trans, como Mulher Pepita e Danny Bond, rappers e percussionistas de tambores folclóricos mineiros.
Entre as faixas, todas inéditas, estão uma nova versão de O Clã: “as gay, as bi, as trans e as sapatão / os que pregam ódio por aqui não passarão / o clã tá formado pra fazer revolução”. E a faixa Liberdade: “juntas somos uma / então somos todas Verônica”, lembrando o caso de Verônica Bolina, trans espancada em uma delegacia em São Paulo, em 2015.
O álbum também trata de temas como a invisibilidade, marginalidade e prostituição, o que faz do álbum uma espécie de diário da realidade vivida pela população trans e travesti. Segundo os produtores, “as letras podem ser consideradas crônicas do dia a dia e da vida de Xuxú e sua comunidade. Os versos foram escritos, em sua maioria, após shows da MC. Alguns em casas noturnas, outros em paras pelo orgulho LGBT, universidades e até mesmo em uma penitenciária”.
Senzala é um ponto fora da curva. Enquanto a indústria fonográfica empurra o funk para a banalização – a ponto do senso comum resumir o ritmo aos apelos exagerados à sexualidade -, Xuxú faz o caminho inverso. Da sexualidade, a cantora nos leva para o debate da opressão, da violência, da prostituição. Com bom humor, denuncia a hipocrisia da heteronormatividade e o falso moralismo. E esse cenário de violência só se explica pelos quase 400 anos de escravidão em nossa história. “Hoje eu posso dizer de onde eu vim e para onde eu vou”, canta a MC na abertura de seu álbum.
Reconhecimento não elimina os desafios
Com 28 anos, Karol Vieira se aproxima dos 30, que é a expectativa de vida da população transexual e travesti no Brasil. Isso porque o índice de violência e homicídio contra esse grupo é brutal, fazendo do Brasil o país número um no ranking da violência. A cantora ainda vive na periferia de Juiz de Fora, onde nasceu e cresceu. Aos 17 anos, foi expulsa de casa, vítima de transfobia do padrasto. Na rua, foi obrigada a prostituir-se para sobreviver, como acontece com 90% das travestis e transexuais, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).
O convívio nas ruas, no entanto, deu forças para que Xuxú investisse na carreira de MC. Gravou sua primeira música em 2014. A letra foi presente do rapper Aice NP, assassinado no mesmo ano. Hoje, Xuxú já é reconhecida na comunidade LGBTT. Tem sete fãs clubes pelo país e já tocou na Parada do Orgulho em São Paulo. Mesmo assim, ainda enfrenta discriminação e dificuldades financeiras. Seu trabalho é fruto coletivo de pessoas que abrem mão de mão de seus cachês por afinidade ideológica e afetiva.
O álbum está disponível integralmente no em seu Canal do YouTube e você pode ouvi-lo aqui.
FICHA TÉCNICA
Letra e Música: MC Xuxú
Produção Musical: DJ Poty
Direção Artística: Matheus Engenheiro
Produção Executiva: Paula Duarte
Foto: Wagner Emerich