Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará a demarcação das terras indígenas do povo Xokleng, em Santa Catarina. O início do julgamento está marcado para o dia 28 de outubro e abrirá jurisprudência. Sendo assim, o que for decidido relativo ao povo Xokleng vai estender-se aos demais casos que envolvem a demarcação de terras indígenas no Brasil.

Os ministros debaterão o artigo 231 da Constituição Federal, que traz os direitos assegurados aos povos indígenas. Esse artigo se refere à demarcação das terras indígenas como originária, tradicional e imprescindível.

Nesse sentido, também será debatido pelo STF a decisão que trata do marco temporal da Constituição Federal de 1988. O julgamento teve início em maio deste ano e suspende um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que estabelece o chamado marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Esse parecer da AGU defende a tese do marco temporal, ou seja, de que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de seus territórios nos casos que tiverem posse comprovada da área reivindicada em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Essa interpretação da Constituição é defendida por Bolsonaro – que prometeu em sua campanha que não demarcaria nem um centímetro de terra indígena – como também por alguns ministros do STF, como Gilmar Mendes.

Se o STF aprovar a interpretação do marco temporal, isso representará o maior ataque aos direitos constitucionais indígenas da história recente. Vai legitimar as invasões, as expulsões e a violência que vitimam os povos indígenas. Todas as terras indígenas que foram demarcadas na última década e que tiveram estudos técnicos embasando a ligação dos povos originários com elas, todas essas demarcações seriam simplesmente anuladas. Tudo isso pelo simples fato de os povos indígenas não estarem na data exata da promulgação da Constituição em 1988.

Ora, quem conhece um pouco da história do Brasil sabe que a razão para isso é muito óbvia: os indígenas foram expulsos e impedidos de estar em suas terras nessa data. Impedidos por jagunços armados de latifundiários ou mesmo pelas “autoridades” do Estado brasileiro que simplesmente removeram os indígenas de terras cobiçadas pelos fazendeiros. É o caso, por exemplo, dos Guarani-Kaiowás do Mato Grosso do Sul, que foram removidos de suas terras pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), antecessor da Funai.

ROUBAR TERRAS INDÍGENAS

Uma política genocida do agronegócio

Por que essa tese absurda ganha a cena política atual? Em primeiro lugar, o marco temporal surgiu na bancada ruralista no Congresso Nacional, mas não vingou. Por isso, foi para o STF. Os ruralistas são base de apoio do presidente Jair Bolsonaro e de sua política genocida em defesa do agronegócio.

Um dos argumentos de Bolsonaro e de sua corja é que no Brasil tem “muita terra para pouco índio” e que, portanto, a demarcação de terras indígenas seria um obstáculo ao desenvolvimento do país. O mais engraçado nesse argumento é que eles não questionam o fato de 60% das propriedades rurais no Brasil estarem nas mãos de menos dos 2,5% dos imóveis rurais cadastrados do Incra. Só no Mato Grosso do Sul, cerca de 17% dos imóveis rurais possuem 27 milhões de hectares, o equivalente a 80% de toda a área cadastrada do estado no Incra.

Terras indígenas foram conquistadas na luta

Atualmente o Brasil tem 254 povos indígenas, falantes de cerca de 160 línguas. No total, são 700 mil pessoas vivendo em terras indígenas. Segundo o censo do IBGE de 2010, os povos indígenas somam 896.917 pessoas. A estimativa é que, na época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000 povos diferentes, somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Daí tem-se alguma dimensão do alcance do genocídio contra esses povos.

Com muita mobilização, os indígenas conquistaram importantes direitos constitucionais que servem como resgate de dívida histórica, a obrigação constitucional de demarcação de terras indígenas (TI), a defesa da manutenção do modo de vida e proteção social.

Para que servem as TIs

A maior parte das TIs no Brasil, mais de 98%, está na Amazônia Legal. Elas servem de obstáculos para a destruição ambiental. Sofrem sempre uma enorme uma pressão para a abertura de áreas para pecuária, exploração de madeira, minérios e monocultivos.

45% dos indígenas vivem em 1,6% da TIs

Fora da Amazônia Legal, vivem aproximadamente 45% dos indígenas, em meio a confinamento, muita violência e miséria. Das 298 TIs fora da Amazônia Legal, 146 ainda não tiveram seu processo de reconhecimento finalizado. Essas terras representam somente 1,6% da área total de TIs no Brasil embora abriguem 45% da população indígena em terras indígenas.

Essa população luta pelas terras ancestrais, roubadas por grandes fazendeiros ou pela especulação do mercado de terras. Não por acaso, é nessas regiões que acontecem os grandes conflitos por terra.

É preciso lutar com afinco contra o marco temporal dos ruralistas e de Bolsonaro. A boiada não vai passar!