Dia 1° de dezembro é o Dia Mundial de Luta contra a AIDS. Desde os orimeiros casos da doença da doença, essa luta é marcada pelo preconceito, pelo descaso dos governos e pela resistência dos movimentos sociais.
Por Paulo Henrique de Oliveira e Marina Maciel Ansanelli, do PSTU São Paulo
Em 1983, ia ao ar a primeira reportagem da televisão brasileira sobre a AIDS, transmitida pela Rede Globo [1]. Na reportagem, o médico Bijan Safai é entrevistado e diz: “Nós achamos que a doença é transmitida através do contato sexual entre homossexuais, através de agulhas de injeção contaminadas e através de sangue já contaminado em transfusões. Se conseguirmos controlar isto, a epidemia será contida.” Essa frase é a síntese da visão que era propagada sobre a AIDS nas décadas de 80 e 90: uma doença que atingiria apenas homossexuais e usuários de drogas. Além disso, na fala do médico, a homossexualidade entrou na lista dos problemas que deveriam ser “controlados”.
Pelas manchetes de jornais da época, vemos que o surgimento da AIDS causou um caos social, marginalizando mais ainda grupos já excluídos, como gays, travestis, prostitutas e usuários de drogas. Sempre com esse enquadramento, alimentando o preconceito e responsabilizando a população LGBT, as notícias se referiam à AIDS por nomes como “a peste gay” ou o “câncer gay”. A consequência foi o afastamento dos homossexuais do mercado de trabalho, da escola e do convívio social no geral. A falta de acesso a tratamento fez com que a doença se espalhasse, e o medo que a população sentia fez com que aumentasse a repressão aos LGBTs, tidos como “culpados” pela existência da AIDS. Apesar da homossexualidade ter sido retirada do CID (Cadastro Internacional de Doenças) em 1991, havia um novo motivo para os homossexuais serem considerados doentes.
Durante a década de 80, a ausência de tratamento fazia com que a infecção por HIV fosse encarada por médicos e pacientes como uma sentença de morte. Hoje em dia, uma pessoa soropositiva pode viver uma vida normal se tiver acesso ao tratamento e realiza-lo corretamente. Vale lembrar que HIV e AIDS não são sinônimos: o HIV é o vírus, que atualmente pode ser controlado pela medicação. O portador que faz o tratamento e tem o vírus indetectável por mais de 6 meses não o transmite. Já a AIDS (Sindrome da Imunodeficiência Adquirida, na expressão em inglês) é a doença que se manifesta quando o paciente contrai outra doença (uma infecção oportunista).
As conquistas que obtivemos no tema do acesso ao tratamento gratuito no Brasil, que é um modelo para o mundo, foram conseguidas por meio da luta e pressão exercida pelo movimento social.
No final da década de 80, o surgimento de inúmeras ONGs e instituições para o acolhimento de pessoas soropositivas mostra a ineficácia e o descaso do governo, e o preconceito que essas pessoas sofriam e ainda sofrem na sociedade.
Mais recentemente, também por pressão dos movimentos sociais, houve a quebra das patentes dos remédios[2], de maneira a possibilitar a sua distribuição gratuita pelo governo. Em 2007, o governo fez o “licenciamento compulsório” da produção de um dos medicamentos[3], permitindo assim que o SUS utilizasse medicamentos genéricos. Porém, continuou pagando Royalties à empresa original, sem que houvesse produção dos remédios por parte do próprio Estado. Ou seja, as grandes empresas e monopólios farmacêuticos lucram com a doença, e isso não mudou durante os governos do PT.
Atualmente, a incidência de infecção na população LGBT jovem está aumentando[4], e isso se deve em boa parte à falta de campanhas de prevenção por parte do governo, à falta de debate sobre sexualidade dentro das escolas e ao conservadorismo de bancadas majoritárias no Congresso, que contribui para o bloqueio nesses debates e para a marginalização de pessoas soropositivas e especialmente os LGBTs. Somado a isso, também falta investimento público para a pesquisa na área.
Com projetos como o Escola Sem Partido tramitando no Congresso e com a postura do presidente eleito Jair Bolsonaro, a dificuldade para falar sobre sexualidade, saúde sexual, igualdade de gênero e liberdade sexual é cada vez maior. Além disso, o próprio acesso ao tratamento pode estar em risco: em uma entrevista dada ao CQC em 2010, Bolsonaro disse que portadores do HIV, que segundo ele “vivem na vida mundana”, não devem receber tratamento gratuito do Estado[5].
O sucateamento do SUS também contribui para as dificuldades do tratamento. Enquanto os ricos podem pagar pelo acesso à saúde, os trabalhadores e seus filhos enfrentam filas gigantescas e falta de recursos e infraestrutura no sistema público. E o aumento na verba do SUS não está no projeto de governo do presidente eleito[6].
Por isso, devemos chamar o povo para se organizar e lutar em de defesa da saúde pública e contra o sucateamento do SUS, contra o Escola Sem Partido e a censura, contra as privatizações na saúde, e por um diálogo mais amplo sobre as questões de direito reprodutivo e saúde sexual, com o objetivo de aumentar o acesso à informação e destruir o preconceito e estigma acerca da AIDS, rumando assim para a erradicação da doença.
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[1] https://www.youtube.com/watch?v=oLWeYPrpH04
[2] http://www.scielo.br/pdf/physis/v28n1/0103-7331-physis-28-01-e280107.pdf