Há 14 anos, o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTIs no mundo | Foto: PSTU-SP
Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Em 28 de junho de 1969, portanto há exatos 54 anos, aquilo que começou como um grito de “basta” contra mais uma das constantes e violentas batidas policiais que atormentavam, torturavam e levavam às prisões lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexos (LGBTI+) que frequentavam o Bar Stonewall Inn, em Nova York (EUA), acabou se tornando num ponto de virada na história da luta contra os preconceitos, a discriminação, a marginalização que nos perseguem há séculos.

Entrando para a História como a “Revolta de Stonewall”, o episódio deu origem ao “Dia Internacional do Orgulho LGBTI+” e suas tradicionais Paradas, já que primeira delas ocorreu exatamente um ano depois da rebelião em Nova York.

De lá para cá, e sem nos esquecermos das muitas lutas travadas muito antes de Stonewall e que também cumpriram importante papel no combate à LGBTIfobia, muita coisa mudou. Mas, certamente, aqui e mundo afora, estamos a anos-luz dos direitos, da liberdade, da igualdade e justiça que alimentaram os explosivos e rebeldes corações, mentes e punhos cerrados que incendiaram as ruas ao redor do Stonewall Inn, em 1969.

Por isso mesmo, para nós, a melhor forma de celebrar Stonewall é, em primeiro lugar, resgatando sua história, sempre invisibilizada ou distorcida. Mas, não só isso. Acima de tudo, homenagear a coragem das/os que se rebelaram naquele 28 de junho, também deve significar assumir o compromisso em dar continuidade às suas lutas e, inclusive, ultrapassar seus limites.

Com este objetivo, neste artigo, além de contar um pouco desta história, iremos fazer um panorama da situação das LGBTI+ no mundo e no Brasil, para lembrarmos o porquê é preciso seguir lutando. E muito.

Uma luta que, evidentemente, começa pelo combate à burguesia e todas ideologias que ela utiliza para nos oprimir, superexplorar e tentar nos dividir. Sejam as ostensivamente anti-LGBTIfóbicas, pregadas por seus setores mais conservadores e sua crescente ala de ultradireita; sejam as que tentam nos cooptar para a farsa de que , agora, são “nossos aliados” e nos convencer de que é possível ter igualdade e liberdade em sob o capitalismo.

Mas, também não estamos dentre quem se iludir pelas promessas vãs dos reformistas da “esquerda”, dos neostalinistas, dos “identitários” pós-modernos, dos que pregam as saídas indiviuais ou, ainda, daqueles que, a exemplo do governo Lula-Alckmin, pregam que é possível nos libertamos de mãos dadas com o “mercado” e a classe dominante.

Pra celebrar Stonewall, de fato, é preciso ir para além de tudo isto. Se é verdade que naquele 28 de junho, as LGBTI+ fizeram algo que parecia ser impensável e impossível; hoje, mais do que nunca, é preciso resgatar esta rebeldia, juntamente com a convicção de que para conquistarmos o direito a uma vida em plenitude é preciso que fazer aquilo que, como dizia Trotsky, “é impossível até que se torne inevitável”: uma revolução socialista.

A “Revolta de Stonewall”, ocorrida em 28 de junho de 1969, deu origem ao “Dia Internacional do Orgulho LGBTI+

A rebelião daqueles e daquelas que não tinham nada a perder e muito pelo que lutar

Falando de Stonewall, o historiador norte-americano Victor Russo escreveu que a rebelião só poderia ter começado naquele boteco “pé-sujo” porque ele “era um bar para as pessoas que eram muito jovens, muito pobres ou simplesmente ‘too much’ [‘demais’, para os padrões de ‘aceitabilidade’]”.

Ainda em suas palavras, era “gente que não tinha nada a perder”. Trans, travestis, lésbicas e gays que haviam sido expulsos de casas, viviam nas ruas ou no subemprego, cansadas de apanharem, serem humilhadas e presas constantemente.

Foi esta indignação que explodiu no bar naquele 28 de junho, quando a polícia promoveu um de suas costumeiras batidas que, na verdade, eram parte de um esquema de corrupção: os ataques aconteciam para forçar os donos do bar a pagarem propina para que fossem deixados em paz por um tempo.

Os estopins da rebelião eram muitos. Nos EUA, anos 1950 havia sido marcados pela Guerra Fria e o avanço de uma ultradireita, sintetizada na verdadeira “caça às bruxas” (leia-se comunistas, setores historicamente marginalizados, organizações políticas e sindicais e todos que se opusessem ao “modo norte-americano de vida”) promovida pelo Macartismo.

Ao mesmo tempo, os ventos da rebeldia e do protesto varriam o mundo: do Maio de 1968, na França, à luta pela descolonização e independência no continente africano; da oposição à Guerra do Vietnan ao impacto da Revolução Cubana, em 1959; do ascenso dos movimentos negros e de mulheres às revoluções contra o stalinismo, na Hungria e Tchecolosváquia.

O fato é que, naquela noite, quando começaram a arrastar os frequentadores para fora do boteco, as LGBTI+, tendo à frente mulheres trans e travestis, como Marsha P. Johnson (uma negra) e Sylvia Rivera (de origem porto-riquenha), decidiram que era chegada a hora de dar um basta.

Primeiro, começaram a jogar moedas contra a polícia. Logo depois, voaram pedras, lixo, tijolos e tudo que estivesse ao alcance das mãos. Desorientados pela reação furiosa que eles não esperavam, os policiais se refugiaram no interior do bar, que começou a ser cercado por um número crescente de LGBTI+ que andavam por aquela parte do “gueto” de Nova York. E este foi só o começo da história.

Nos quatro dias e noites que se seguiram, os arredores do Stonewall Inn, literal e metaforicamente, arderam em chamas. Houve, de fato, uma tentativa de incendiar o bar com os policiais presos dentro dele (algo que só não aconteceu porque um jornalista aliado estava lá dentro); barricadas em chamas tomaram os arredores, impedindo a chegada de reforços e atos e passeatas constantes atraíram uma crescente multidão, ganhando a solidariedade dos movimentos negros, de mulheres e organizações políticas.

Os enfrentamentos físicos com a polícia não cessaram por sequer um segundo. Isso sem quem perdessem a ironia e o sarcasmo típicos da comunidade, como o fato de que os batalhões de frente eram muitas vezes compostos por travestis, gente trans e “drag queens” que avançavam furiosas em direção à repressão, dançando “can can” (o estilo francês, em que as bailarinas jogam as pernas ao ar), embaladas por impagáveis palavras-de-ordem.

Enquanto a rebelião fervia, panfletos foram elaborados e distribuídos, grupos começaram a ser organizados e alianças foram estabelecidas. E, quando a poeira baixou, a História havia sido mudada.

Uma mudança que o escritor “beatnik” e ativista LGBTI+ Allen Ginsberg sintetizou de forma bastante poética: “Os caras, lá, estavam tão lindos. Eles haviam perdido aquele olhar ferido que todos os viados tinham há 10 anos atrás”. E, de fato, foi assim.

Depois de Stonewall, mundo afora os olhares começaram a irradiar orgulho, esperança e a certeza de que é possível vencer. E foi exatamente isto que, no ano seguinte, levou cerca de 10 mil pessoas às ruas de Nova York e outro tanto de gente em várias outras cidades, para lembrar Stonewall, inaugurando uma tradição que continua até hoje. Como também foram estas perspectivas que impulsionaram a formação de grupos e organizações, muitas delas simpáticas ao socialismo, ao redor do mundo.

Infelizmente, de lá para cá, muito desta rebeldia se dissipou ou foi diluída. Os motivos foram diversos. A burguesia, como sempre, soube desviar parte da rebeldia para propostas de soluções institucionais, por dentro da “ordem”.

Muitos ativistas e movimentos cederam deixaram se levar por estas perspectivas reformistas ou diretamente burguesas. Logo, também, foram desenvolvidas as pós-modernas e sua negação do caráter de classe da sociedade, bem como a proposta de saídas cada vez mais individualistas.

E, se não bastasse, a partir do início dos anos 1980, a epidemia da Aids não só fez o preconceito renascer com força, diante do perigo do “câncer gay”, com  imprensa da época criminosamente nomeou o HIV, como acentou a política de parcerias de movimentos com instituições públicas e privadas.

Seja como for, retrocessos à parte, nunca paramos de lutar. Mas, é inegável que a ilusão de que é possível combater a LGBTIffobia nos marcos da sociedade capitalista (algo minoritário na época de Stonewall) ganhou força, apesar de ser uma farsa cujo despropósito pode ser verificado ao traçarmos um panorama, mesmo que parcial, do que significa ser LGBTI+ no mundo dominado pela burguesia.

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Um mundo onde ser LGBTI+ ainda é um crime

Em pelo menos onze países, a homossexualidade ou quaisquer manifestações de orientações sexuais ou identidades de gênero distintas da chamada “heteronormatividade” são punidas com a pena de morte. O mais recente a adotar este tipo de barbárie foi Uganda, em março passado.

Muitos destes países estão na África, no Oriente Médio e na Ásia. Contudo, a situação também é crítica em enormes parcelas dos Estados Unidos e da América Latina e da Europa, com destaque, é preciso dizer, para países que têm seu passado fincado no stalinismo e, agora, depois da restauração capitalista, mantém o pior de suas tradições, como são o caso da Polônia, da Hungria e da Rússia.

Segundo um relatório publicado no início de 2023 pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Intersexos (ILGA, na sigla em inglês), dos 193 países pertencentes à Organização das Nações Unidas (ONU), 64 criminalizam qualquer tipo de relação sexual entre LGBTI+ e outros 42 têm alguma forma de restrição legal, sendo que as punições vão de espancamentos públicos à prisão, passando por multas e restrições a direitos básicos. Enquanto isto, a união civil (ou casamento) entre LGBTI+ é permitida apenas em 34 países.

Como discutiremos no decorrer do artigo, não por acaso as pessoas trans, principalmente as travestis e mulheres trans não-brancas, são as que se encontram dentre as mais exploradas e oprimidas, sendo, consequentemente, as mais vulneráveis à violência.

Ainda segundo a ILGA, somente 20 países do mundo permitem que a pessoas tenham seu gênero legalmente reconhecido em base à autodeterminação; enquanto 13 proibem completamente a transexualidade, em base a leis que criminalizam o “cross dressing” (se vestir com roupas de um gênero que não é o “seu”), algo muito próximo de um dos estopins que detonou a Revolta de Stonewall: a lei que vigorava na época, nos EUA, que considerava um crime o fato de alguém usar três peças do vestuário que não fossem adequadas a seu gênero “natural”.

E mesmo em países onde as/os trans já haviam conquistado importantes direitos, temos vistos enormes retrocessos nos últimos anos.

Exemplar disto é o caso dos Estados Unidos, onde a pesquisa “Trans Legislation Tracker” (“Rastreador da Legislação Trans”) levantou que, somente em 2023, foram apresentados 560 projetos de lei, em 49 estados, proibindo ou restringindo direitos em relação aos procedimentos e cuidados básicos de saúde, acesso à educação, reconhecimento legal ou o puro e simples direito de existir publicamente. Até agora, 83 destes projetos já foram aprovados, 364 estão esperando por votação e apenas 113 foram derrubados.

Um mundo perverso que nos trata como doentes que nos adoece   

Há muito, as relações afetivo-sexuais que extrapolam a heterossexualidade são consideradas como doenças. Uma “doença da alma”, para a Igreja, no período Medieval (e, até hoje, para os fundamentalistas e a ultradireita); ou algum tipo de distúrbio psiquiátrico, principalmente a partir da segunda metade dos anos 1800, quando a burguesia imperialista começou a embrulhar as ideologias machistas, racistas, LGBTIfóbicas e xenófobas em teorias pseudocientíficas.

Hoje, apenas 25 países têm legislações específicas proibindo as chamadas “terapias de conversão” (conhecidas como “cura gay”). Contudo, em apenas 10 deles (Canadá, Chipre, Equador, França, Alemanha, Grécia, Islândia, Malta, Nova Zelândia e Estado Espanhol) a prática é totalmente proibida.

No Brasil e outros nove países (como Albânia, Índia, Israel, Portugal, Vietnam e Taiwan), a proibição aplica-se apenas aos profissionais da Medicina. Já em outros (como Argentina, Chile, Paraguai, Suíça e Uruguai), há limitações, mas não a completa proibição.

E, como sabemos muito bem, a existência de tais leis está longe de assegurar que, de fato, não existam psicólogos, psiquiatras, fundamentalistas religiosos e seus representantes nos Parlamentos pregando (e praticando) a nossa “cura”.

O fato é que em todos os países da África, na grande maioria dos países da Europa (Ocidental e Oriental) e da Ásia; em metade dos países latino-americanos e na maioria dos estados dos EUA, ainda são permitidos métodos bárbaros que vão da castração a brutais e antiéticas formas torturas, físicas e psicológicas.

Enquanto isto, toda e quaisquer LGBTI+ conhecem, de muito perto, os problemas que nos cercam no campo da Saúde, que extrapolam aqueles já enfrentados pelo conjunto da população pobre e trabalhadora. Há de tudo, a começar por humilhações e “piadas” perversas quando procuramos auxílio médico em função de nossas especificidades sexuais e falta de tratamento adequado.

A população trans, mais uma vez, é a mais diretamente afetada, já que ora são vistas como “doentes” (em termos físicos ou psicológicos), ora lhes negam o (quando asssim desejam, já que isto não é um pré-requisito para sua identidade de gênero) o acesso aos procedimentos necessários para que seus corpos entrem em sintonia com realmente quem são.

Diante de tudo isto, também não é um acaso que a saúde mental tenha se tornado um enorme problema entre nós. Este é, certamente, um tema de fundamental importância no mundo doente em que vivemos, mas particularmente preocupante dentre aqueles e aquelas que sofrem alguma forma de opressão, principalmente, depois dos anos de isolamento e convívio com perdas impostos pela epidemia do Covi-19.

Os dados ainda são poucos, mas, como exemplo, vale citar alguns do “Projeto Trevor”, criado nos EUA para prevenir suicídios dentre LGBTI+, principalmente jovens.

O relatório publicado em 2023 revelou que, no ano passado, 41% dos jovens entre 13 e 24 anos pensaram pelo menos um vez em suicídio, com um indíce ainda maior dentre as pessoas trans e não-brancas. Além disso um em cada três jovens enfrentou alguma forma de sofrimento psíquico e 56% gostariam de ter tido algum tratamento para a saúde mental, mas não tiveram acesso.

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A LGBTIfobia mata! E o Brasil, há 14 anos, carrega o vergonhoso título de “campeão” 

É evidentemente que em um mundo onde os próprios Estados e suas instituições punem, criminalizam e marginalizam as LGBTI+, também há o incentivo à violência cotidiana e generalizada contra nós. Os casos de agressões são, literalmente, incontáveis. E, não raro, os episódios acabam em assassinatos.

E como a invisilibização é uma constante em nossas vidas, também nossas mortes são cercadas de tamanho descaso que sequer há dados muito precisos, por isso mesmo todos os dados existentes estão ultra distantes da realidade.

Apenas para dar um exemplo, vale citar um relatório denominado “Monitoramento dos Assassinatos de Trans” (TMM, na sigla em inglês), publicado em 2021. Segundo o estudo, entre 01/10/2020 e 30/09/2021, foram registrados 375 assassinados de pessoas trans ou não-binárias (que não se identificam com um gênro específico) ao redor do mundo, um aumento de 7% em relação ao ano anterior. 96% eram mulheres trans ou travestis. E a maioria, também, era não-branca (negra, latina ou indígena).

Neste estudo, o Brasil aparece como o país que concentrava a maioria dos assassinatos (125), seguido pelo México (65) e pelos EUA (53). E, lamentavelmente, aqui não é “apenas” o país onde mais pessoas transgêneras são mortas. Há 14 anos consecutivos, o Brasil é o campeão em assassinatos e mortes violentas de LGBTI+.

Segundo o último relatório do Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+, em 2022 houve 273 casos (um a cada 32 horas): 228 assassinatos, 30 suicídios e 15 mortes por outras causas. Dentre os assassinatos, a maioria, 159, foi registrada entre travestis e mulheres trans, seguidas de 97 gays assassinatos. A maioria dos suicídios (18) também vitimou pessoas trans.

E, lamentavelmente, os assassinatos foram praticados com requintes de crueldade e extrema violência, 74 com armas de fogo e 48 por esfaqueamento. Além disso, vale citar que em 33,3% dos casos, as vítimas morreram ainda muito jovens, entre 20 e 29 anos.

E as notícias pós-Bolsonaro não são nada boas. Ainda segundo o “Observatório”, no mínimo 80 LGBTI+ foram mortas entre janeiro e abril de 2023, sendo que o perfil é bastante próximo a 2022: 62,5% (50 pessoas) eram travestis e mulheres trans; 32,5%, gays (26 mortes); 2,5% (02), homens trans; 2,5% (02), lésbicas  e pessoas transmasculinas.

São dados como estes que “explicam” o porquê da expectativa de vida das trans seja de, no máximo, 35 anos; contra 80 anos, para as mulheres em geral. E as razões disto precisam ser buscadas na forma como o capitalismo as condena à marginalização e à vulnerabilidade, algo facilmente comprovado pelo fato de que 90% delas, aqui no Brasil, só têm a prostituição como forma de sobrevivência e, quando conseguem algum emprego, geralmente é na informalidade ou trabalho precarizado.

Não há como reformar ou “humanizar” um mundo como este

Uma das palavras-de-ordem centrais da Revolta de Stonewall foi “Fight Back!!” (“revide” ou “lute contra”, em tradução livre). E é exatamente isto que precisamos resgatar. Este não é um mundo em que podemos lutar “ao lado” ou “com” aqueles que têm nos marginalizado historicamente. Ou nos voltamos contra eles ou viveremos sempre à margem da sociedade.

E a burguesia tem plena consciência disto. E é por isso que, hoje, há todo um setor da classe dominante (a começar pelos seus meios de comunicação de massas e suas peças publicitárias) que tenta nos convencer do contrário e se apresentar como nossos aliados na luta contra o preconceito e a discriminação. Contudo, isso só pode ser entendido dentro da própria lógica perversa do capitalismo e seus interesses.

Em primeiríssimo lugar, esta burguesia dita “progressista” foi empurrada para este discurso supostamente “amigável” por nossas lutas. Muita gente, antes e depois de Stonewall, deu  seu sangue e suas vidas para que conquistássemos espaço na sociedade.

E a suposta “simpatia” demonstrada por banqueiros e empresários, hoje, atende a um objetivo duplo e combinado: tentar apaziguar a nossa revolta e, por tabela, lucrar com o chamado “pink money”, a grana daqueles e daquelas que, tendo conquistado algum lugar na socieade, em função de décadas de protestos, são vistos única e exclusivamente como consumidores em potencial, que precisam de produtos e serviços com os quais se identifiquem.

No fim das contas, isto acaba beneficiando apenas um setor minoritário da comunidade LGBTI+, geralmente de classe média e que acumula menos elementos de opressão, como o machismo, o racismo e a xenofobia; enquanto a enorme maioria de nós continua carregando um alvo em nossos corpos.

Um alvo cravado por essa mesmíssima burguesia, que, com sua típica hipocrisia, segue alimentando (a começar pela Educação e as instituições religiosas) as ideologias LGBTIfóbicas e usando de seus representantes nos Parlamentos e governos para barrar e retroceder nossos direitos.

E pior: com o avanço da crise economia, principalmente depois da quebradeira em 2008, um outro setor desta mesma burguesia chegou à conclusão de que é necessário “radicalizar” a opressão. A lógica é simples, apesar de cruel: diante da crise e para manter as margens de lucro, é preciso explorar mais; e, para tal, também é preciso propagar ainda com mais força as ideologias e práticas opressivas.

Em outras palavras, um mecanismo há muito utilizado pela burguesia é “justificar” a superexploração (através do desemprego crônico ou o trabalho precarizado; a negação de serviços, como Educação e Saúde, e diretos etc.) se utilizando de ideologias que dividem a classe trabalhadora e nos jogam uns contra os outros, ao incentivarem que as legítimas diferenças humanas (de raça, etnia e origem, identidade de gênero e orientação sexual) sejam transformadas em desigualdades socioeconômicas, culturais e políticas.

Esse é o terreno contaminado de onde brotaram Trump (EUA) ou Macron (França), Viktor Orban (Hungria), Giorgia Meloni (Itália), Mateusz Morawiecki (Polônia) e partidos que têm se destacado em eleições na Europa como o Democratas Suecos (parte do atual governo), o Vox (3ª força no Congresso do Estado Espanhol) ou o Partido da Liberdade (4ª partido no congresso da Áustria).

Parada LGBTI de São Paulo 2023, ‘Bloco de Esquerda’, com independência dos governos e dos patrões | Foto: PSTU-SP

Todos eles profundamente comprometidos em nos oprimir de todas as formas possíveis e tentar fazer com que os(as) trabalhadores(as) acreditem que os “culpados” pelo desemprego e todas demais dificuldades econômicas e sociais são causados por aqueles e aquelas que sequer deveriam ter  direito de existir no mundo ou em seus países.

Por aqui, desnecessário dizer o verdadeiro inferno que enfrentamos nos últimos anos, com Bolsonaro, Damares e seus comparsas da extrema-direita, que, é importante lembrar, continuam por aí. Uma gentalha que gritava (e continua gritando) aos quatro ventos que “preferiria ter um filho morto do que gay”, que “menino veste azul, menina veste rosa” ou que a melhor forma de tratar um possível LGBTI+ é através da porrada.

Diante deste setor da burguesia, nossa resposta só pode ser uma: derrotá-los por completo, numa luta sem tréguas, inclusive com a cada vez mais necessária autodefesa, organizada dentro das entidades e organizações dos movimentos contra as opressões, sindicais, populares e políticas.

Mas, também não estamos dentre aqueles e aquelas que se deixam levar pela farsa da chamada “burguesia progressista”, a mesma que, mundo afora, tem infestado as Paradas que deveriam celebrar um dia de revolta e rebeldia, com seus produtos e seus patrocinadores que têm como objetivo acorrentar as LGBTI+ à “ordem” do sistema capitalista.

E, por isso mesmo, também não fazemos coro com os setores dos movimentos LGBTI+ e as organizações políticas e sociais da chamada “esquerda” que, há muito, abraçaram a ideia de que é possível “reformar” ou “humanizar” o capitalismo.

Esse é um balaio que tem um pouco de tudo: dos pós-modernos e suas políticas “identitárias” (que desprezam completamente o caráter de classe da sociedade e se atêm à afirmação das “identidades”, jogando, inclusive, a favor de nossa fragmentação) aos reformistas “clássicos”, que acreditam que seja possível conquistar direitos e liberdade através de mudanças graduais e progressivas nos marcos do sistema capitalista e em aliança com a classe dominante.

Alianças que têm feito proliferar as ilusões no “empreendedorismo”, na ascensão pelo mercado ou “cidadania de consumo”. Ilusões que, apesar de facilmente virarem poeira, ainda seduzem um enorme número de LGBTI+ desesperadas de sair da marginalização e da pobreza.

Além disso, nos últimos anos, também tem se destacado o que chamamos de neostalisnistas, os herdeiros das burocracias que traíram a Revolução Russa, e todas as demais desde então, e, hoje, se apresentam como “defensores desde sempre” das nossas lutas. Uma farsa que não resiste a uma breve checagem na História, como discutimos no artigo “Na contramão do marxismo revolucionário, o stalinismo sempre tratou as LGBTIs como ‘doentes“.

“Eu não saí, eu explodi o armário! Sou LGBTI+, sou revolucionário”. Palavra de ordem do PSTU nas Paradas | Foto: PSTU-SP

Em respeito à Revolta de Stonewall, nenhuma ilusão na Frente Lula-Alckmin

O que todos estes setores têm, majoritariamente, em comum é que, hoje, compõem ou apoiam o governo Lula-Alckmin. E, para tal, no que se refere particularmente às LGBTI+, é preciso dizer em primeiro, que o fazem apoiados nas enormes e justas expectativas que a comunidade criou em torno do governo.

É inegável que, diante das barbaridades cometidas por Bolsonaro, a campanha e eleição de Lula contaram com um apoio massivo das LGBTI+. Um apoio que, inclusive, passou o pano para as muitas derrapadas de Lula em relação ao tema. De seu terno abraço ao Pastor Sargento Isidório, um “ex-gay” e defensor ardoroso da cura gay à completa ausência de LGBTI+ na tão incensada “subida da rampa”, no ato da posse.

Já nós, do PSTU, mesmo respeitando as expectativas das LGBTI+, não temos memória curta. Não nos esquecemos que a LGBTIfobia correu solta sob os governos petistas anteriores.

Afinal, quem não se lembra que o número de assassinatos não só não parou como aumentou muitíssimo nos 13 anos de governos petistas? Como podemos nos esquecer da vergonhosa retirada do “kit anti-homofobia” e do engavetamenteo do PL 122, que criminalizava a LGBTIfobia, para satisfazer os nefastos acordos com a Bancada da Bíblia, dentre outros, no Congresso? Como esquecer da aliança e favores a Marcos Feliciano e Eduardo Cunha, dois fervorosos LGBTIfóbicos que foram abençoados pelo PT?

Como também não nos esquecemos que, há exatos 10 anos, nas jornadas de Junho de 2013, foram muito os LGBTI+ que engrossaram as manifestações e se enfrentaram com a polícia exatamente para protestar contra tudo isto.

Muitos podem dizer que, agora, é muito cedo para afirmarmos que desta vez não será diferente. Afinal, agora temos uma mulher trans, a Symmy Larrat, numa Secretaria de Direitos LGBTI+ e uma série de promessas sendo divulgadas.

Outros, como o PSOL e PCdoB (e de forma mais “tímida”, o PCB e a União Popular) podem tentar nos convencer de que este é, aind, um governo “em disputa” e é preciso apoiá-lo para que sua ala “conservadora” seja derrotada.

Lamentamos, mas a história não é escrita por “narrativas”, muito menos as que brotam do simples desejo. E a realidade dos fatos é aquele que vimos recentemente, com a aprovação do Marco Temporal e, também, do Arcabouço Fiscal, transformados em leis com a conivência ou a direta imposição do governo federal.

Medidas que atacam diretamente aqueles mesmos que “subiram a rampa” e, no caso do Arcabouço, desvia para os novos companheiros do PT, os empresários, o agronegócio e os banqueiros, as verbas que seriam necessárias para a real implementação de políticas sociais e econômicas capazes de atender, minimamente, nossas necessidades.

Mas, inclusive, isso nem é tudo. O problema de fundo num governo como o da Frente Ampla é que sua essência é preservar o capitalismo e, consequentemente, permitir que a burguesia continue dando as cartas do jogo. E, enquanto o mundo for assim, não temos nenhuma dúvida: a opressão continuará correndo solta e sendo colocada a serviço da exploração.

Por estas e tantas outras, não temos dúvidas: pra celebrar Stonewall, somos aqueles que saímos às ruas, nas Paradas ou quaisquer outras manifestações, gritando a plenos pulmões “Eu não saí, eu explodi o armário! Sou LGBTI+, sou revolucionário”. E assim faremos até que construamos um mundo onde, como dizia Rosa Luxemburgo, “sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.

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