Índios guaranis ocupam, desde a última quinta-feira (30), um terreno na Vila Clemente, na zona noroeste da capital paulista. A ocupação começou após a construtura Tenda derrubar as primeiras árvores no local.

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A construtura Tenda, que é uma das empresas subsidiária da Gafisa (uma das maiores do país e envolvida em vários episódios de corrupção na Lava Jato), pretende construir no terreno pelo menos cinco prédios, em um total de 396 apartamentos para o programa Minha Casa Minha Vida. O empreendimento deve se chamar Reserva Jaraguá-Carinás, mas nada tem de indígena além do nome.

Árvores cortadas em região de Mata Atlântica, próxima ao pico do Jaraguá.

Obra irregular e crime ambiental

Segundo os guaranis da Terra Indígena (TI) Jaraguá, a operação é totalmente irregular e um crime ambiental, já que se trata de uma área de Mata Atlântica e com uma nascente de rio. Além disso, embora não faça parte do território indígena, o terreno deveria ser considerado zona de amortecimento do Parque Estadual do Jaraguá, que é uma área de preservação permanente.

Por esses motivos, os guaranis também questionam a rapidez da autorização dada à Tenda para iniciar o trabalho no local, levantando a dúvida de ter havido pagamento de propina para isso. A empresa alega ter cumprido todas as obrigações legais e que a obra foi aprovada pela Secretaria Municipal de Licenciamento. No entanto, o fato da obra não estar em território indígena não garante a autorização.

Aleandro da Silva, representante do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), lembra que o Brasil é signatário da convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que obriga os Estados a realizar consultas prévias em caso de empreendimentos próximos à terras indígenas. O que não foi feito.

A discussão sobre o empreendimento sequer passou pelo conselho gestor do Parque do Jaraguá. Em 2017, após a ocupação das torres de transmissão, os guaranis conquistaram o direito de fazerem parte do conselho do parque.

Maria Arapotã, liderança feminina no Jaraguá

Surpreendidos pela motosserra

Dizem que o índio quer pegar a terra de volta. Não, a gente não quer essa área. A gente quer manter essa área verde. Chega de desmatamento”, disse Maria Arapotã, liderança de mulheres na TI Jaraguá e que faz parte da ocupação. Ela ainda conta que os guaranis ficaram sabendo da obra só com o som da motosserra. “Se fosse uma coisa legal, eles não precisariam trabalhar de madrugada”.

No mesmo dia em que ocuparam o terreno, os guaranis realizaram um ritual com cantos fúnebres em memória das árvores derrubadas e dos animais. Além disso, fizeram questão de plantar cerca de 200 mudas de árvores nativas no mesmo local em que outras foram derrubadas. A empreiteira alega que foram árvores isoladas e em sua maioria, eucaliptos.

Guaranis plantaram mudas no local onde a empreiteira derrubou a mata

Esssa árvores estavam aqui a cem, trezentos anos. Porquê nós indígenas tivemos respeito por essa natureza. Porque a Tenda chegou aqui e destruiu? A gente quer que a Tenda respeite a natureza, o meio ambiente, as nascentes. Porque onde eles vão tomar água daqui trinta, quarenta anos?“, se questiona Maria. “Meu povo já fez o reflorestamento das madeiras que eles cortaram. Mas daqui cem anos eu não vou estar aqui para ver“, completa.

Sob o risco de reintegração

A gente tá aqui para proteger a mãe Terra“, diz Tamikuã Txihi, que também faz parte da ocupação. “Não só para a gente, mas para o mundo. Porque onde tem povo originário a terra é fértil, é uma terra sã. Não é uma terra doente“.

Txihi também conta que na quarta-feira (5 de fevereiro), os guaranis foram notificados pelo oficial de justiça, acompanhado pela polícia, do pedido de reintegração de posse. Ela conta que a comunidade se assustou com os fuzis e o policiamento. “Nossa comunidade não é violenta. A gente não está aqui para destruir nada. A gente se assustou mas com a força de Nhanderu a gente permaneceu“.

Até o fechamento dessa matéria, contudo, a reintegração não havia ocorrido e os guaranis aguardavam uma reunião com o Ministério Público Federal, representantes da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e com parlamentares.

Thiago Henrique Karai Jekupe, outra liderança guarani, é enfático na resistência: “Nós não podemos aceitar isso. Eles não podem vir aqui e desrespeitar nossa cultura. Se a polícia vier aqui, vai ser mais um crime. Essa é uma questão federal. Uma questão de cultura indígena”. Para Jekupe, o empreendimento põe em risco o futuro de seu povo e o modo de vida guarani.

Solidariedade

A ocupação e movimento de resistência dos guaranis no noroeste de São Paulo tem recebido a solidariedade ativa de vários outros movimentos e sindicatos, como é o caso da CSP-Conlutas. Uma delegação da Ocupação do Queixadas (Cajamar, SP), também esteve no local.

Irene Maestro, do Luta Popular e que também apoia a resistência dos guaranis, diz que a luta por moradia é complementar a luta dos indígenas. Para ela, há uma série de questões de moradia nas comunidades ao entorno da Terra Indígena, mas o empreendimento da Tenda não passa de especulação imobiliária e que, portanto, não contribuiria em nada com a região. Segundo ela, a faixa de valor projetado para o empreendimento não condiz com a realidade na região.

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Governo Bolsonaro: uma ameaça permanente

Bolsonaro e seu governo não fazem a mínima questão de esconder sua aversão aos indígenas. São inúmeras declarações de cunho racista contra os povos originários. Suas declarações alimentam e estimulam ações violentas contra esses povos em todo o país. Em julho do ano passado, por exemplo, lideranças wajãpis foram assassinadas no Amapá. Recentemente, ainda, o governo autorizou o garimpo em terras indígenas, abrindo precedentes para um verdadeiro etnocídio dos povos indígenas brasileiros. Isso porque Bolsonaro governa para os ricos e grandes empresários, e eles não tem nada a oferecer aos indígenas a não ser o extermínio. Não é de surpreender que o governo queira colocar um evangelizador à frente da Funai. Tampouco se preocupam com as questões ambientais, como bem mostrou a hipocrisia em Davos.

O PSTU apoia a resistência e a luta dos povos indígenas pelos seus territórios e seus modos de vida, da qual a ocupação dos guaranis em São Paulo faz parte, e também a defesa do ambiente.