Turquia e Estados Unidos fecharam essa semana um acordo para a retirada de forças curdas da cidade de Manbji, no norte da Síria. O acordo foi anunciado após uma reunião entre Melvut Cavusoglu, chanceler da Turquia, e o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo. As autoridades turcas anunciaram um calendário para a retirada das forças curdas de Manbji. Entretanto, os estadunidenses não confirmaram que a existência de uma data estabelecida para isso, o que sugere que não houve acordo com o prazo.
At our meeting with Secretary of State Pompeo, we discussed #Turkey–#US relations, matters related to #Syria including road map on #Manbij and other regional matters. pic.twitter.com/2pqEpUrW20
— Mevlüt Çavuşoğlu (@MevlutCavusoglu) 4 de junho de 2018
Manbji fica localizada no noroeste da Síria, próximo à fronteira com a Turquia, e tem cerca de 100 mil habitantes. Em 2012, já durante a Revolução Síria, passou a ser controladas por forças do Exército Livre da Síria. Em 2014, foi tomada pelo Daesh (autointitulado Estado Islâmico) e em 2016 foi retomada pelas Forças Democráticas Sírias. Desde então, a cidade está sob o controle da milícia curda chamada Unidades de Proteção Popular (YPG), que é parte da coalizão.
Os interesses de Ancara
Ao governo turco de Recep Tayyip Erdogan a cidade é estratégia por pelo menos três motivos. O primeiro deles é pelo fato de que a Turquia recebeu muitos refugiados sírios desde o início do conflito. Estima-se que, ao todo, o país tenha recebido 3 milhões de refugiados vindos do país vizinho. O controle curdo sobre a cidade seria um impedimento para o retorno de parte dessas pessoas. Principalmente da parcela mais pobre dos refugiados que sofre pressão para retornar, já que para aqueles que possuem curso superior e outras especializações profissionais foi concedida cidadania pelo governo turco.
O segundo motivo é o conflito em si envolvendo a Turquia e os curdos, que reivindicam para si a formação de um estado autônomo – o Curdistão – que assumiria o controle de uma parcela significativa de terras que hoje estão sobre o controle de Ancara. Os curdos são, portanto, aos olhos da Turquia, um movimento separatista. Inclusive o PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, é considerado uma organização terrorista pelo governo turco que acusa a YPG de ser subsidiá-los.
Por fim, e não menos importante, o acordo tem impactos sobre as eleições presidenciais marcadas para o dia 24 de junho. Erdogan lidera com cerca de 48%.
Vale lembrar que a Turquia vive em “estado de emergência” desde a tentativa de golpe em junho de 2016. Na ocasião, o governo acusou Fethullah Gülen de ter liderado a conspiração a partir dos Estados Unidos, onde vive. Como parte desse acordo, Ancara tentou negociar a extradição de Fethullah, mas não teve sucesso.
Uma pressão pelo negócio de armas
Já para os EUA, o acordo parece ter tido dois motivos. O primeiro dele é o fato de a Turquia ter adquirido em dezembro cem unidades do F-35, um avião militar. A entrega do primeiro lote está marcada para o dia 21. Entretanto, o governo de Ancara também tem demonstrado interesse na aquisição de unidades do S-400, um sistema mísseis antiaéreo de origem russa. Diante disso, congressistas americano tem se preocupado com a possibilidade de que a aquisição dos caças estadunidenses seja usada para fornecer informações para o desenvolvimento do sistema antiaéreo russo. Especula-se que Washington tenha pressionado a Turquia a não fechar o acordo com os russos, ameaçando suspender o fornecimento de peças e manutenção para os caças.
Além disso, comentaristas especulam que o acordo EUA-Turquia pode fazer parte de uma política de isolamento do Irã na região. Vale lembrar que nesse ano os EUA se retiraram unilateralmente do JCPOA (Plano de Ação Conjunto Global), uma espécie de acordo internacional sobre o desenvolvimento do programa nuclear iraniano, e que Israel bombardeou posições iranianas na Síria em maio. Com isso os EUA tentam restringir a influência da Rússia na região.
Hipocrisia imperialista
O acordo, contudo, não passa de retórica diplomática e de hipocrisia política. A começar pelo fato de que as próprias milícias curdas do YPG – que tem um pacto de não agressão com o ditador Assad- são apoiados pelos EUA, já que fazem parte da coalizão apoiada por Washington contra a ditadura de Bashar na Síria. Embora tenham negociado essa retirada, os EUA vão manter sua influência sobre as posições à leste do rio Eufrates, com a qual controla uma série de campos de petróleo.
A negociação das posições em Manbij com a Turquia mostram que não há nenhum compromisso com o fim da guerra na Síria, nem com os refugiados ou a estabilização da região. Pelo contrário. Usam o conflito como parte da negociações do mercado de armas e tiram proveito da divisão do conflito regional para manter a influência política sobre a região e os interesses econômicos nos campos de petróleo no norte da Síria.
Não é possível contar com o apoio do imperialismo estadunidense e nem poderia ser diferente. O que não significa, contudo, que para se combater sua influência se deva apoiar o regime de Damasco e a Rússia. Ambos atuam tirando proveito econômico e político do conflito e não tem nenhum compromisso com o povo sírio. A solução para o conflito não virá de nenhum deles.