“É um cinema de resistência, de guerrilha, feito com paixão”

O Oscar é uma solenidade do grande cinema americano, marcado integralmente por uma lógica de mercado. Eventualmente, pode servir para jogar luz sobre bons filmes que não contam com o suporte das grandes distribuidoras. É o que ocorre com Cinema, Aspirinas e Urubus, do pernambucano Marcelo Gomes, indicado pelo Brasil ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Após uma estréia sem alardes, o longa voltou aos cinemas de todo o país.

O filme mostra o encontro de dois mundos em pleno nordeste de 1942. Johann é um alemão fugido da 2ª Guerra Mundial, e sobrevive vendendo aspirina. No caminho, encontra Ranulpho, um homem do sertão que passa a acompanhá-lo de cidade em cidade exibindo filmes para promover o novo remédio. Johann, que foge da guerra, e Ranulpho, que sonha ir para o Rio de Janeiro buscar uma vida melhor, são duas faces de, como diz o diretor, “uma história universal”.

O Opinião Socialista entrevistou Marcelo Gomes. Antes do filme, ele dirigiu curtas como Clandestina Felicidade (1998) e foi co-roteirista de Madame Satã (2002).

Opinião Socialista – Há uma efervescência cultural em Pernambuco nos últimos anos, da qual fazem parte o seu trabalho, o de Lírio Ferreira (Árido Movie), Cláudio Assis (Amarelo Manga), também na música, com o mangue beat, o Cordel do Fogo Encantado… Quais condições você acha que havia para o surgimento dessa vanguarda pernambucana?

Marcelo Gomes – É, as pessoas perguntam ‘como você explica esses filmes todos vindo de Pernambuco?’. Eu digo ‘milagre não se explica’. Quando a gente começou a fazer cinema em Pernambuco, não tinha condição nenhuma. Não tinha câmera, laboratório, técnico, equipe, atores com especialidade em cinema, não tinha nada! Então, é um cinema de resistência, um cinema de guerrilha, feito com muita paixão. Acho que é isso o que garante aos filmes uma relação com o público e uma crítica tão boa. São feitos com tanta paixão, dedicação e batalha. Agora, essa efervescência cultural também é explicada pelo caldo cultural que é Pernambuco, que tem uma tradição indígena e africana muito forte. Tem um caldo cultural que estimula a gente. Então, acho que o meu cinema não é um cinema pernambucano, nem existe isso. Eu sou um pernambucano que faz cinema. E acho que toda vez que eu faço cinema, essa minha tradição cultural vem junto. Fico muito feliz que isso esteja acontecendo, porque é um cinema que está fazendo sucesso no Brasil inteiro, de um estado que fica lá longe, esquecido.

Opinião – Você conta que o filme Cinema, Aspirinas e Urubus é baseado numa história que o seu tio-avô te contou. Mas o que há da sua história no filme, o que tem de Marcelo Gomes nele?

Marcelo – Eu vivi minha vida inteira no Recife. Aí ganhei uma bolsa para estudar cinema na Inglaterra e fui morar lá por dois anos. Acho que esse meu lado Ranulpho foi comigo. E o engraçado é que me sinto sempre identificado com o Ranulpho e com o Johann. Com o Johann porque ele sai do país dele e vai pra outra cultura completamente diferente, e foi exatamente o que eu fiz. E com o Ranulpho porque a origem nordestina minha e dele é a mesma. Então, esses dois anos que vivi na Inglaterra me deram a experiência de viver num país de cultura completamente diferente, foi um choque cultural pra mim. Ter voltado dois anos depois faz ter uma visão mais distanciada do que é o Brasil. Essa experiência está muito dentro dos dois personagens que construí.

Opinião – Quais foram as suas influências, não só no cinema, mas na arte em geral?

Marcelo – Eu fui cineclubista, vivi dois anos num cineclube e foi minha primeira escola. Lá exibia o cinema dos anos 60, o Cinema Novo, o cinema de vanguarda americano, o cinema independente americano, o independente alemão, europeu. E gostava muito desses filmes, eles fizeram minha cabeça. E acho que os filmes que fazem a cabeça da gente influenciam a gente. Mas também é muito difícil detectar influências, porque aí eu fico sendo analista de mim mesmo. Isso deixo pra vocês.

Opinião – O seu filme está com a possibilidade de indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Qual a sua opinião sobre essa premiação? Dá para furar o cerco hollywoodiano?

Marcelo – Quando a gente colocou o filme para competir foi para dar uma visibilidade maior e ele voltar em cartaz. E foi isso o que aconteceu. Então, para mim é importante dar visibilidade ao filme. Premiação, pra mim, não tem importância, muito menos o Oscar. Porque o Oscar é um evento para divulgar o cinema americano. Eles dão um minuto para aquele cinema não americano, que eles chamam de filme estrangeiro. Mas o Oscar é um evento feito para divulgar o cinema americano.

Isso eles fazem muito bem, eles são muito eficientes nessa publicidade. A gente é só um coadjuvante dentro da festa deles. Então, não tem que se preocupar muito com isso não. Agora, é bom porque dá visibilidade para o nosso filme aqui e lá nos Estados Unidos. Eu estou indo lá dar palestras, exibindo o filme em festivais.

Opinião – Este aumento da visibilidade é um convite ao mundo para assistir ao filme. Que argumento você usaria para convidar a assistir Cinema, Aspirinas e Urubus?

Marcelo – O filme tem um apelo universal, é uma história universal, sobre as pessoas que têm que abandonar o lugar em que moram e construir a vida em outro lugar, crescerem felizes em outro lugar, devido a condições políticas e sociais antagônicas. Ou seja, o governo não resolveu o problema delas, elas têm que resolver, elas vão à luta, e eu acho que isso é universal. Todo mundo devia assistir, principalmente no Brasil, porque o filme foi feito para os brasileiros.

Post author
Publication Date