Na semana passada, jornais europeus publicaram dez charges com a caricatura do profeta islâmico Maomé, ou Mohammad, como é chamado pelo Islã.

As ilustrações foram deliberadamente ofensivas ao Islamismo. De acordo com os preceitos da religião islâmica – muito bem conhecidos pelos editores dos jornais responsáveis pelas publicações – Maomé não pode ser retratado por nenhum tipo de ilustração. Pior ainda quando o supremo profeta do Islã é retratado como um terrorista, vestindo um turbante com o formato de uma bomba.

A provocação dos jornais europeus foi respondida com um verdadeiro levante do povo muçulmano contra as caricaturas ofensivas. As manifestações assumiram um caráter antiimperialista, com bandeiras de Israel e dos EUA sendo queimadas e com a destruição de consulados, escritórios da Otan, da União Européia e incêndio de embaixadas.

A Secretária de Estado do governo Bush, Condoleezza Rice, utilizando-se do oportunismo típico do imperialismo, chegou a acusar a Síria e o Irã de estarem por trás das manifestações.

Para além das acusações estapafúrdias, a vasta onda de rancor e ódio desencadeados pelo mundo mulçumano, porém, desvenda algo muito mais complexo nas relações entre os países imperialistas e esse povo vítima de tantos massacres e agressões, seja em suas próprias terras, como no Iraque e na Palestina, ou na própria Europa, onde imigrantes se lançam desesperadamente em busca de uma vida melhor.

Liberdade de imprensa
O Conflito sobre as charges está sendo abordado pela maior parte da imprensa como um choque entre o “civilizado” mundo ocidental e os “bárbaros” do Oriente. Apresentam o mudo islâmico como intolerantes às liberdades de imprensa, supostamente resguardada pelos países ocidentais. Tal argumento não esconde um forte cheiro de hipocrisia no ar. Todos sabem que a liberdade de imprensa no mundo ocidental é extremamente limitada aos interesses políticos e econômicos dos proprietários dos grandes meios de comunicação que publicam notícias conforme seus próprios interesses, das grandes corporações e governos aos quais estão intimamente associados.

A começar pelos países imperialistas do Ocidente, onde os principais jornais e redes de TVs tiveram uma atuação na cobertura da invasão ao Iraque, liderada pela coalizão anglo-americana, marcada pela distorção e a falsificação dos fatos, para influenciar a opinião pública e colocá-la a favor da guerra. A farsa das armas de destruição em massa foi o episódio mais emblemático disso. A “mesma liberdade” de imprensa talvez justifique o porquê da não publicação de reportagens sobre as centenas de massacres cotidianos contra a população civil iraquiana realizadas pelas tropas invasoras imperialistas. Mas, quando alguém ousa violar essas diretrizes, a resposta não é nada democrática. Os militares dos EUA atacaram duas vezes a sede da rede de TV Al Jazeera ao mesmo tempo em que Rumsfeld dizia que ela “transmitia informações sobre o Iraque que distorciam os fatos para o mundo árabe”.

Uma das provas supremas da hipocrisia dos defensores da “liberdade de imprensa” foi a opção do editor do jornal dinamarquês Jyllands-Posten – o primeiro a publicar as ilustrações – de não publicar uma charge com Jesus Cristo, antes de publicar aquelas sobre Maomé. O cinismo desse jornal é mais revoltante quando justificou essa atitude segundo suas próprias palavras “para não ofender a uma parte de seus leitores”, o que obviamente não lhe preocupou quando se tratava de atacar a sensibilidade de uma outra parte do público, os muçulmanos.

Racismo e xenofobia
A provocação das charges sobre Maomé também esconde uma lógica igualmente reacionária e racista, que vê a constante imigração de árabes para a Europa com o mal do século do velho continente. O próprio reacionário editor do Jyllands-Posten admite razões mais profundas para as provocações: “Acho que essa reação está relacionada ao fato de haver na Dinamarca, um país pequeno, de apenas 5 milhões de habitantes, um debate polêmico sobre os muçulmanos que imigraram há algumas décadas”, disse.

Desde que assumiu o poder, o governo direitista da Dinamarca assumiu um lema: “Se você não se encaixa na nossa sociedade, volte para o lugar de onde veio”. Um flagrante contra o contingente de árabes que fogem da pobreza e da miséria de seus países em busca de uma vida melhor nos países da “civilizada” Europa.

Atualmente os imigrantes ou seus filhos são componentes de peso do proletariado europeu, especialmente os de origem árabe. São aqueles que ocupam os trabalhos mais pauperizados e precarizados determinados pela globalização imperialista. Governos xenófobos, partidos de ultradireita e uma parte significativa da imprensa repetem à exaustão o discurso de que os imigrantes tiram os empregos dos europeus para assim tentar dividir os trabalhadores e ocultar o real motivo do desemprego e das incertezas sobre o presente: a aplicação dos planos neoliberais pelos governos de turno.

Diante disso, eclodem revoltas dos imigrantes ou filhos de imigrantes marginalizados, como recentemente na França com os abusos da polícia e de chamar a toda essa camada de “ralé”. A proposta da burguesia e dos governos, como o francês, foi passar uma lei muito mais dura de imigração.

Cruzada
Os mulçumanos não estão sendo atacados por acreditarem em Alá ou em Maomé. Nessa história, todas as questões religiosas são apenas uma aparência que procura ocultar um problema político cada vez mais evidente: o avanço assassino da recolonização imperialista sobre os povos do Oriente Médio e o saque do petróleo na região. Diante da resistência dos povos, é necessário demonizar os resistentes. É a imagem a que nos acostumamos nos filmes de Hollywood, nos telejornais de CNN, Fox etc., para provar que são “fanáticos, não têm amor à vida”.

Por isso, trata-se de pintar Maomé como um terrorista: é parte da mesma política que levou soldados dos EUA a usarem o Alcorão como papel higiênico nos banheiros das prisões de Guantánamo. São armas de uma guerra suja, que, além de usar bombas e balas, também usa uma campanha deliberada para desmoralizar um povo que não se rende ao conformismo. Uma cruzada cujo objetivo é mostrar ao mundo que os adeptos do Islã são pessoas violentas e bárbaras, que ameaçam o “livre mundo ocidental”.
Essa campanha, no entanto, possui profundas raízes históricas como demonstra o livro Orientalismo, do intelectual palestino Eduard Said. Em sua obra, Said mostra a visão distorcida sobre o mundo árabe construída pelos ocidentais, numa tentativa que serve ao interesses do imperialismo e do colonialismo.
O levante do mundo muçulmano assumiu um caráter antiimperialista e deixa o imperialismo ainda mais acuado, agravando a crise do seu projeto recolonizador no Oriente Médio.

Neste sentido, deve-se apoiar o povo oprimido muçulmano em sua luta contra a política imperialista, independente da religião, pois a derrota do imperialismo será a vitória de todos os setores oprimidos da sociedade capitalista.

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