Redação
No espaço de apenas uma semana, entre os dias 28 de julho e 4 de agosto, uma série de chacinas, promovidas pelas polícias militares e civis dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, e da Bahia, deixou um rastro de 45 mortos. Tanto nos estados governados pelos bolsonaristas Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Cláudio Castro (PL-RJ) quando pelo petista Jerônimo Rodrigues (BA), o perfil das vítimas é o mesmo: jovem, pobre, negro e das periferias.
O genocídio racista é uma política do Estado brasileiro. Tem como principais pilares a criminalização da pobreza, principalmente através da criminalização das drogas, e na ação de uma polícia e de uma política de segurança pública que não tem outro objetivo que não massacrar a juventude negra e impor um controle social. Tudo para manter brutais níveis de superexploração, miséria e desigualdade, sem que haja qualquer reação.
Chacina do Guarujá
Tarcísio conseguiu: já tem uma chacina para chamar de sua
Israel Luz, de São Paulo (SP)
A busca dos responsáveis pela morte do soldado Patrick Reis, da Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (ROTA), da Polícia Militar de São Paulo, foi utilizada como pretexto para o governador e seu secretário de Segurança, Guilherme Derrite (policial militar, filiado ao Partido Liberal, de Bolsonaro) promoverem uma matança indiscriminada na periferia do Guarujá e de Santos, no litoral paulista.
Já são 16 mortes e inúmeras denúncias de abusos, invasões de moradias, torturas e repressão generalizada. O governo paulista repete o que se tornou padrão: após a morte de um policial, o Estado responsabiliza indiscriminadamente os moradores da periferia e as forças policiais agem como “vingadores” e não força de segurança. Foi assim nos ataques do PCC, em 2006; na Chacina de Osasco e Barueri, em 2015; e no Baile da DZ7, em Paraisópolis, em 2019.
No episódio de 2006, que ficou conhecido como os “Crimes de Maio”, policiais e grupos de extermínio reagiram à morte de 59 agentes de segurança pelo PCC. Nada menos que 505 pessoas foram assassinadas entre os dias 12 e 21 daquele mês.
Não foi operação, foi chacina
Em 2006, uma das vítimas, Ana Paula Gonzaga dos Santos, era moradora de Santos e estava grávida de nove meses. Ao sair com o marido, Eddie Joey de Oliveira, para ir à padaria, foram atacados por um grupo encapuzado. Eddie gritou que era trabalhador e Ana Paula se pôs à frente, talvez imaginando que não atirariam nela. Um tiro pegou no braço e ela caiu.
Em seguida, um matador a levantou do chão com uma gravata. Ela acabou tirando o capuz dele e o reconheceu como policial. Foi atingida por um tiro na cabeça. Ao se debruçar sobre o corpo da esposa, Eddie foi alvejado nas costas e na cabeça. Por fim, um dos assassinos atirou na barriga de Ana dizendo “filho de bandido, bandido é”. O casal não tinha qualquer envolvimento com o PCC. Até hoje os “Crimes de Maio” não foram solucionados.
Agora, na Baixada Santista, a história se repete com os mesmos requintes de crueldade. Exemplo disto foi a assassinato do vendedor ambulante Felipe Vieira Nunes, 30 anos, no dia 29, morto com nove tiros. Há inúmeros relatos de moradores que ouviram seus gritos durante uma sessão de tortura e seu cadáver foi encontrado com queimaduras de cigarro por todo o corpo, além de um ferimento na cabeça e um corte no braço.
Eles querem sangue. E, de preferência, negro
Como se vê, toda a população periférica paga indiscriminadamente. O Estado não vai atrás de justiça, mas de pura e simples vingança. Obviamente, os governantes buscam esconder esta realidade e um dos procedimentos mais comuns, sempre, é apontar que os chacinados possuíam antecedentes criminais. Para isso, recebem a ajuda da imprensa empresarial, que repete este dado à exaustão, como, se por si só, isto legitimasse as execuções.
Aí, temos o que pode ser chamado de “segunda morte” das pessoas. Não importa se é simplesmente inocente, se já respondeu por seus eventuais delitos ou se não deve mais nada e está tentando reconstruir a vida. Para a polícia, é um bandido. E, “bandido bom, é bandido morto”. Versão que acaba sendo legitimada pela imprensa.
A Chacina do Guarujá acontece no momento em que os dados oficiais mostram um aumento da letalidade policial em São Paulo. De acordo com a própria Secretaria de Segurança Pública do Estado, houve um aumento de 26% no número de mortes provocadas por policiais militares em serviço durante o primeiro semestre deste ano.
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Rio de Janeiro
Polícia mata 10 num único dia
Da redação
Na quarta, 2 de agosto, uma “operação policial” do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil carioca, matou pelo menos 10 pessoas no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio. A ação policial teve como justificativa a repressão a “facções criminosas” e, além dos mortos, deixou mais de 3.200 alunos, de 16 escolas públicas da região, sem aulas; além de forçar o fechamento de postos de saúde.
A mesma Vila Cruzeiro, no Complexo, foi notícia em maio de 2022, em outra chacina realizada pelo Bope, junto com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, que deixou 25 mortos, o que impulsionou protestos em todo o país.
Execução
Justiça por Thiago!
Do PSTU do Rio de Janeiro (RJ)
No último dia 6, a polícia de Cláudio Castro assassinou Thiago Menezes Flausino, de 13 anos, com pelo menos cinco tiros, na Cidade de Deus (CDD). O garoto tinha o sonho de ser jogador de futebol, mas teve a vida interrompida pelo massacre cotidiano que vitima a população jovem, negra e pobre. Toda solidariedade aos seus familiares e amigos. Essa dor também é nossa.
No dia 7, moradores da CDD fizeram um importante ato para exigir justiça por Thiago. Imagens que se espalharam pelas redes sociais mostram a covarde repressão por parte da polícia. É preciso seguir lutando pela punição exemplar dos responsáveis. Nada irá reparar a dor da perda de Thiago, mas a impunidade alimenta ainda mais a ferida.
Bahia
Chacinas matam ao menos 19
Da redação
No estado governado há 16 anos pelo PT, pelo menos 19 pessoas foram mortas pela polícia, somente entre os dias 28 de julho e 1° de agosto. As chacinas ocorreram em Salvador, Itatim e Camaçari.
Dados apontam que a Polícia Militar da Bahia é a mais letal do Nordeste. Segundo relatório de 2022, da Rede de Observatórios de Segurança, a cada 100 mortos pelas forças policiais baianas, 98 são negros e, lá, somente no ano passado, a PM matou 1.464 pessoas, representando 22,7% do total das 6.430 mortes registradas no país.
Quem governava o estado até o início de 2023 era Rui Costa, atual Chefe da Casa Civil do governo Lula, que, quando questionado sobre a ação policial conhecida como “Chacina do Cabula”, em 2015, na qual 12 pessoas negras morreram com tiros na nuca, afirmou: “É como um artilheiro em frente ao gol”, comparando as execuções pela polícia a um jogo de futebol.
Programa
Autodefesa, desmilitarização da PM e descriminalização das drogas
Israel Luz
A violência sistemática do Estado, que, invariavelmente tem um viés racista, é consequência direta da concentração de poder nas mãos de uma minoria rica e branca. Enquanto os membros da elite representante da burguesia tiverem a caneta e o gatilho nas mãos, a próxima chacina será somente uma questão de tempo.
Em outras palavras, o problema da violência policial é o problema do Estado burguês. Presidentes, governadores, parlamentares, comandantes policiais e juízes, todos eles, participam do controle social racista, cada qual à sua maneira.
Esse controle é visto na intolerância radical, mesmo sem violência aparente, a qualquer tentativa de organização popular. Para citar um exemplo simples, experimente organizar seus vizinhos para protestar contra a falta de água no seu bairro. Talvez a companhia encarregada sequer apareça, mas a PM certamente vai dar as caras.
No fundo, os poderosos têm medo da mínima organização independente da nossa classe e do nosso povo. Aí, temos uma primeira chave para encontrar soluções reais.
A articulação nos bairros populares é uma questão central para não ficarmos à mercê da violência do Estado burguês e dos capitalistas do crime. Os movimentos contra a prisão de jovens inocentes e a violência do Estado são exemplos disto. A partir daí é possível fortalecer laços de solidariedade, de classe e de raça, que impulsionem a luta em todo o país.
Sob o capitalismo, não haverá justiça!
Mas não basta reagir. É preciso pautar o que queremos no lugar da política atual. Desmilitarização da segurança pública, incluindo medidas como eleição democrática de comandantes civis, nos bairros, e direito de associação sindical para os soldados, são passos essenciais.
Descriminalização das drogas é outro passo urgente. A falsa “guerra às drogas” já tem décadas e está provado que não atinge quem, de fato, controla o tráfico. Em lugar disso, manda para prisões milhares de jovens negros que, lá dentro, se tornam presa fácil para as facções que controlam os presídios brasileiros.
Aliás, esses locais tiveram papel fundamental no crescimento das principais organizações criminosas brasileiras. Por tudo isso, é preciso frear o encarceramento em massa.
O tema da juventude também é fundamental. É preciso dar perspectiva de vida e estudo, criar espaços esportivos, de lazer e de cultura, especialmente voltados aos jovens das periferias. Isso só é possível pondo fim ao ajuste fiscal permanente que corta recursos das áreas sociais.
E mais: temos certeza que só haverá segurança e justiça, de fato, quando os trabalhadores e trabalhadoras tiverem o poder econômico e político em suas mãos, numa sociedade socialista, em que conselhos populares deliberem como e com quem a segurança pública deve ser organizada.