Foto Eduardo Araújo
Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

Os preços estão altos demais. A quantidade de alimentos que eu levava veio diminuindo. A situação tá complicada. Tudo aumenta, mas o salário não”, desabafa Edna Ribeiro, enquanto comprava legumes na feira ao redor do Mercado de Itapuã, em Salvador (BA).

No mesmo dia em que Edna deu este depoimento ao Opinião Socialista, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) comunicou que a inflação acumulada este ano até agosto chegou a 5,67%, a maior taxa para o mês desde 2015. Alguns itens, no entanto, subiram muito acima desse índice. Entre eles, combustíveis e alimentos.

A tendência é que a situação fique ainda pior. O Banco Central aumentou pela 23ª vez a previsão para a inflação de 2021, agora para 8%. A expectativa para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação no Brasil, já corresponde ao dobro da meta estabelecida pelo governo federal, que era 3,75% para o ano, aponta o Banco Central.

Essa sequência de alta nos preços atinge itens básicos, como energia, combustível e comida. Em oito meses, o preço da gasolina sofreu alta em sete estados. Em alguns, o litro da gasolina está sendo vendido a R$ 7,00 e o gás de cozinha, a R$ 115,00.

Leia o editorial

Ato unitário, greve geral, autodefesa e a alternativa dos trabalhadores

Mudando a dieta

Um estudo da consultoria Kantar mostra que o aumento no preço da comida chegou a patamares tão impressionantes que está mudando a dieta tradicional dos brasileiros. Hoje, o consumo de alimentos entre as famílias de menor renda se resume cada vez mais a pães industrializados, salsichas e ultraprocessados.

A histórica combinação balanceada – arroz, feijão, proteína animal e salada – está pesando no bolso. A carne virou um artigo de luxo, já que o setor agroindustrial, com a alta do dólar e com a ganância de ganhar mais dinheiro, está priorizando a exportação. Com pouco produto no mercado interno, os preços sobem.

Lucrando na fome

Enquanto a população brasileira sofre, o agronegócio teve recorde de 24,31% no Produto Interno Bruto (PIB) do setor, de acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). O estudo leva em conta o movimento de toda a cadeia: produção dentro das fazendas, insumos, agroindústria e serviços.

Ladeira abaixo

Aumento do desemprego e queda da renda

Carteiras de trabalho de candidatos a vagas de emprego tempor‡rio oferecidas pela Metalœrgica Aliana, em uma mesa do departamento pessoal da empresa.

Essa escalada na elevação dos preços é acompanhada pelo aumento do desemprego, que, por tabela, leva à queda na renda média dos brasileiros, aumentando os níveis de desigualdade.

De acordo com o IBGE, a taxa de desemprego no país ficou em 14,1% no segundo trimestre de 2021, atingindo 14,4 milhões de brasileiros. Um crescimento de 12,9% em comparação ao mesmo período de 2020. Ou seja, em um ano 1,6 milhão de pessoas ficaram desempregadas em nosso país.

Como consequência das demissões, 71% das novas ocupações no segundo trimestre de 2021 foram de trabalhadores por conta própria, que engloba também os chamados “bicos”. O IBGE ressalta que 24,8 milhões de pessoas trabalham nessa condição, o que corresponde a 28,3% de toda a população ocupada.

Isso também elevou a taxa de informalidade, que chega a 40,6% da população ocupada. É caso de Roseane Costa, que trabalhava em uma fábrica de bolos. “Fui demitida no começo da pandemia. Para garantir o sustento da minha família, estou vendendo comida aqui na Avenida Sete”, disse. A Praça do Relógio de São Pedro, onde Roseane vende as comidas típicas da Bahia, no centro de Salvador, é tomada por barracas de vendedores informais que, assim como ela, lutam diariamente para levar o pão para casa.

Maridelza Pinto vende salgados na orla de Itapuã. Quando as praias foram fechadas, devido à pandemia, ficou sem a renda mensal. Passou a viver do auxílio emergencial, que era muito abaixo do que ela ganhava com as vendas. Teve que mudar de casa. “Estou morando em casa menor. Meu filho ficou desempregado. Só eu recebi o auxílio emergencial. Agora que estou voltando com as vendas, e ele tem sido chamado para fazer uns bicos. Mas trabalho fixo tá difícil”, lamenta.

A FGV Social (Fundação Getúlio Vargas) desenvolveu a pesquisa Desigualdade de Impactos Trabalhistas na Pandemia e identificou uma redução de 9,4% na renda média individual da população. O índice foi medido em comparação com o último semestre do ano de 2019. A constatação foi de queda acentuada para famílias com rendas mais baixas, a exemplo de Maridelza.

O alto percentual de desemprego no país influenciou para essa diminuição da renda dos brasileiros.

A dor da fome

Insegurança alimentar atinge quase 60% dos brasileiros

O elevado índice de desemprego, a alta dos preços e a diminuição da renda têm levado ao crescimento do número de pessoas que estão passando fome em nosso país. Temos um Brasil com fome, em meio a uma pandemia e com um governo genocida que aplica uma política de desmonte do Estado, agravando ainda mais a vida dos trabalhadores e do povo pobre.

Conforme dados do grupo de pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia, 125,6 milhões de brasileiros sofreram com insegurança alimentar durante a pandemia. O número equivale a 59,3% da população do país e se baseia em pesquisa realizada entre agosto e dezembro de 2020.

O Brasil vem sofrendo com o abandono das políticas de combate à miséria desde o governo Dilma (PT), o que foi acelerado por Temer (MDB) e agora por Bolsonaro. Isso recolocou o Brasil no caminho do Mapa da Fome.

Os dados da Rede Penssan, reconhecidos pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) como os mais adequados para criar um novo Mapa da Fome no Brasil, apontam que a insegurança alimentar grave atingia 9% (19,1 milhões) da população em 2020.

O relatório mais recente da própria FAO apontou que 23,5% da população brasileira, entre 2018 e 2020, deixou de comer por falta de dinheiro ou precisou reduzir a quantidade e qualidade dos alimentos ingeridos. Os resultados evidenciam que, em 2020, a fome no Brasil retornou aos patamares de 2004.

Isso é revoltante, pois segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária  (Embrapa), o Brasil produz 19% de todos os grãos do mundo. Somos o segundo mais exportador de carne do planeta, o terceiro em produção. Mas o que estamos assistindo são pessoas formando filas para conseguir doação de ossos com retalhos de carnes. Isso vem acontecendo em Cuiabá, capital de Mato Grosso, estado onde o agronegócio representa 50,5% do PIB, conforme mostrou reportagem do Fantástico (TV Globo) em julho deste ano.

O agronegócio, sustentado no latifúndio, não está preocupado em garantir alimentos à população, ao contrário, é o principal responsável pela fome no Brasil. A produção não é voltada para a alimentação, mas sim para produção de commodities, principalmente o cultivo de grãos usados em ração para animais.

Commodities são produtos que funcionam como matéria-prima. Elas podem ser desenvolvidas em larga escala e estocadas sem perder a qualidade. No caso do agro, são itens como soja, trigo, milho e café. Oitenta e nove por cento de todos os grãos produzidos no país no ano passado foram de milho e soja, ambos voltados para a exportação.

A maior parte do que fica da produção interna é voltada para a indústria e não diretamente para o consumo humano. Quanto mais o agronegócio se expande, menos comida chega à nossa mesa. Não é à toa que temos que importar alimentos nos quais antes éramos autossuficientes. Um exemplo é o arroz, que teve um aumento de quase 30% na importação em 2020, na comparação com 2019.

Foi no Brasil onde os preços subiram mais depressa na pandemia, aponta o estudo da Universidade de Oxford, com dados do Banco Mundial. Em um ano, o quilo do arroz aumentou quase 70%; o feijão preto, 51%; a batata, 47%; a carne, quase 30%; o leite, 20%; e no óleo de soja, alta de 87%.

Programa

Uma saída socialista para a crise

Temos que responder ao plano predatório do governo Bolsonaro – responsável pelo desemprego, pela alta dos preços dos alimentos e combustíveis, pela queda na renda e pelo aumento da fome – com um programa que atenda às necessidades mais básicas da população, apontando à superação do sistema capitalista. Pois já não é possível maquiar a imagem da decadência quando o país vem abaixo aos olhos de todos.

Taxar fortunas

Para viabilizar esse programa a favor dos trabalhadores e do povo pobre, é preciso enfrentar e atacar os bilionários e os lucros dos banqueiros, dos grandes empresários e do agronegócio, taxando em 40% as grandes fortunas e proibindo a remessa de lucros para fora do país. Mas isso não basta.

Emprego

Para gerar empregos, é necessário implementar um plano de obras públicas, com construção de hospitais, rede de saneamento básico e moradia. Reduzir a jornada de trabalho, sem redução de salários e direitos. Aprovar uma lei que proíba as demissões, reintegre os demitidos e estatize as empresas que demitirem.

Salário

Para elevar a renda, é necessário reajustar o salário mínimo de acordo com as necessidades básicas de uma família. Conforme dados de julho do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo para sustentar uma família de quatro pessoas deveria ser de R$ 5.518,79. Esse valor é 5,02 vezes o salário mínimo atual, que é de R$ 1.100,00. Além disso, é necessário garantir auxílio emergencial de um salário mínimo a todos os desempregados.

Estatização

Quanto aos preços dos alimentos e combustíveis, é necessário o congelamento. Acompanhado de uma política de nacionalização e estatização do grande latifúndio e do chamado agronegócio, sob o controle dos trabalhadores, para que definam sua produção de acordo com as necessidades do povo e em harmonia com o meio ambiente. Assim como reestatizar o setor elétrico do país, hoje controlado por empresas multinacionais. Impedir a privatização da Petrobras. Só assim teremos energia e combustíveis acessíveis ao conjunto da população.

Reforma agrária

Para acabar com a fome e garantir alimento para todos, defendemos a partilha do latifúndio, com uma reforma agrária radical, a fim de garantir terra aos camponeses sem-terra que a reivindicam, assim como todas as condições de produção e comercialização de seus produtos, com acesso a crédito barato ao pequeno proprietário e apoio técnico.