Protesto em Beirute, no Líbano, próximo à embaixada dos Estados Unidos. REUTERS/Mohamed Azakir

A situação segue crítica na Palestina. Embora governos vizinhos e lideranças palestinas não ousem ir além do discurso, manifestações espontâneas acontecem nas ruas da Palestina todos os dia desde a última quarta-feira (6). Grande parte delas acabou em conflitos com forças israelenses. Os conflitos agravam a instabilidade da região e preocupam a comunidade internacional que já havia condenado a decisão de Trump.

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No dia em que a medida foi anunciada, milhares de palestinos foram às ruas protestar em Gaza. Facções políticas da Palestina se reuniram e convocaram três “dias de fúria” contra a movimentação de Washington. Também foi convocada uma greve geral para o dia seguinte, quinta-feira (7). Em Belém, na Cisjordânia, o comércio não abriu e empresas foram cercadas por manifestantes. Escolas e universidades também não funcionaram. A Igreja Grega Ortodoxa declarou a quinta-feira como dia de luto e badalou seus sinos apenas duas vezes no dia, em protesto.

Uma nova intifada
Ismail Haniyeh, líder do Hamas, disse que a decisão dos Estados Unidos é uma “declaração de guerra” e convocou a população a uma nova intifada – em referência às revoltas palestinas contra a expansão de Israel. “Deixem o 8 de dezembro ser o primeiro dia da intifada contra o ocupante”. Curiosamente, no último dia 8 completaram-se 30 anos da primeira intifada palestina, em 1987.

Já o secretário geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, aproveitou um discurso na televisão para convocar as massas para protestar nas redes sociais contra a decisão de Trump. A convocatória logo virou piada no mundo árabe, já que se esperava uma decisão mais enérgica por parte da organização. E provavelmente não passará disso por enquanto. As milícias do Hezbollah dificilmente conseguiriam manter um front de combate com Israel na fronteira com o Líbano, já que teriam que deixar o Iraque, Iêmen e Síria, onde apoiam o ditador Bashar al-Assad.

O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, convocou uma “nova intifada”

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, ameaçou cortar relações diplomáticas com os Estados Unidos caso este mantenha sua decisão. Erdogan disse que Israel seria o limite para os mulçumanos e convocou uma reunião de emergência da Organização de Coperação Islâmica para discutir possíveis medidas de retaliação diplomática contra Washington. Hoje, durante um discurso, Erdogan chamou Israel de “estado terrorista”.

No domingo, o presidente francês Emmanuel Macron se reuniu com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, em Paris. O presidente francês criticou a decisão dos Estados Unidos e disse ser urgente que Israel pare com as construções de assentamentos ilegais na Palestina. Até o Papa Francisco manifestou-se sobre a questão, pedindo calma e prudência.

Mas os pedidos da comunidade internacional parecem não surtir efeito.

Foto: AFP

Repressão aumenta
Enquanto isso, as forças israelenses tentam, sem sucesso, reprimir e conter a fúria dos palestinos. O número de feridos já passa dos 800. A maioria por balas de borracha ou por intoxicação com gás lacrimogênio. Mas há também registros de feridos por arma de fogo, quatro deles em Ramallah e cinco na faixa de Gaza. Há também o registro de quatro mortes. Dois manifestantes mortos pela repressão israelense e dois combatentes do Hamas, mortos durante um ataque aéreo de Israel no norte de Gaza.

No sábado, ao menos três palestinos foram presos. Entre eles, Jihad Abu Zneid, membro do Conselho Legislativo Palestino. Para Mahmoud Abbas, presidente da Palestina, a decisão dos EUA viola “todos os acordos e resoluções internacionais e bilaterais” e significa, na prática, o violar o consenso internacional e abandonar a posição de mediador do processo de paz. Abbas também suspendeu de sua agenda o encontro que teria nessa segunda-feira com o vice-presidente americano, Mike Pence.

Para entender o caso
O plano da ONU em 1947 era dividir a Palestina em dois estados: um árabe e um judeu. Nesse acordo, Jerusalém, que tem valor histórico e religioso, ficaria sob um regime especial e seria administrada diretamente pelas Nações Unidas. A proposta foi rejeitada pela liderança árabe.

Em 1948 é fundado o Estado de Israel e Jerusalém é declarada sua capital. Embora os sionistas reivindiquem toda a cidade como capital histórica, a parte leste é mantida sob o controle da Jordânia. Israel passa a dominar a cidade depois de anexá-la durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Embora a conquista de territórios seja proibida pelo direito internacional, a guerra foi usada para expansão de fronteiras israelenses. Além de Jerusalém, os sionistas passaram a controlar a margem ocidental da Cisjordânia, as Colinas de Golã e o Monte Sinai.

Trump faz política às custas de vidas palestinas
Em 1995, o Congresso americano aprovou o chamado Jerusalem Embassy Act. A lei determinava que o governo americano deveria transferir sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, capital de Israel. Embora a lei seja obrigatória, uma cláusula permite aos presidentes que adiem a decisão. Desde então, a cada seis meses, os presidentes americanos tem adiado a decisão por considerá-la embaraçosa em termos diplomáticos. Assim fizeram Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama.

A decisão de Trump é a primeira vez que a decisão não é adiada. Enquanto o mundo se debate tentando prever as consequências da decisão, poucas linhas foram dedicadas para explicar o porquê de sua decisão.

Ao que tudo indica, as razões do presidente americano são mais rasas do que parecem e, obviamente, não tem nada a ver com uma nova abordagem para um processo de paz, como sugeriu o próprio Donald Trump.

Na verdade, antes de mais nada, Trump quer levantar uma cortina de fumaça para desviar a opinião pública dos recentes escândalos em que está envolvido. Especialmente o da troca de e-mails entre seu filho com altos representantes de Moscou. Trump enfrenta hoje uma altíssima rejeição por parte da população – 56% de desaprovação, segundo uma pesquisa da Gallup em 6 de dezembro.

Trump também tenta se fortalecer internamente, “mostrando serviço”. Assim como fez com a tal “mãe de todas as bombas”, lançada no Afeganistão contra o Estado Islâmico.

É bom lembrar também que em 2018 haverão eleições legislativas nos Estados Unidos. O reconhecimento de Jerusalém é apoiado por boa parte da comunidade religiosa evangélica e do eleitorado conservador. Parcela da população com quem Mike Pence (vice de Trump) tem fortes relações.

Além disso, Israel é um importante aliado político e militar próximo às maiores regiões produtoras de petróleo do mundo. O estado sionista é também um grande produtor bélico (armas e tecnologia militar) e, portanto, parceiro econômico do imperialismo e de países como o Brasil, que compra tecnologia militar de Israel.

Com a decisão, Donald Trump mostra o quê o imperialismo é capaz e faz política interna às custas de mais vidas palestinas. Sem escrúpulos, joga fora todas as mentiras sobre o processo de paz e mostra seus reais interesses.

Sem perspectivas
Palestinos entrevistados pela imprensa internacional declararam não estarem surpresos com a decisão de Trump. “Os EUA há muito tempo não são mediadores… são nossos inimigos, declarou Husam Ghosheh para a Al Azeera.

O que os primeiros “dias de fúria” indicam é que, de fato, ainda não há saída para a crise. Queiram as lideranças palestinas ou não, os protestos seguem espontaneamente na Palestina. Também aumentam os conflitos, o número de feridos e a tensão política. A explosão social – ou nova Intifada – se já não começou, é questão de tempo.