No Brasil, em 2007, foram registrados 653.090 acidentes e doenças do trabalho entre os trabalhadores assegurados da Previdência Social. Entre esses registros, contabilizou-se 20.786 doenças relacionadas ao trabalho. Parte destes acidentes e doenças teve como consequência o afastamento das atividades de 580.592 trabalhadores devido à incapacidade temporária (298.896 até 15 dias e 281.696 com tempo de afastamento superior a 15 dias), 8.504 trabalhadores por incapacidade permanente, e 2.804 óbitos. Esses são dados do INSS.
Como o Brasil não possui um sistema de vigilância epidemiológica em saúde do trabalhador efetiva, possivelmente os dados são bem piores do que esses: são maiores os acidentes de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho. Para a OIT (Organização Internacional do Trabalho), esses dados justificam a localização do Brasil no quarto lugar em mortes devido ao trabalho em todo o mundo. Possivelmente, devido à agudização do processo de precarização e às parcas políticas em saúde do trabalhador, de 2007 até 2009, esses casos aumentaram de forma importante.
Como se pode perceber, no nosso país, muitos trabalhadores são vítimas de doenças relacionadas ao trabalho, como distúrbio osteomusculares (como a LER-DORT), perdas auditivas e doenças de ordem psicológicas (como depressão e síndrome do pânico). O ambiente de trabalho se transforma num local de risco para a saúde e a vida do trabalhador.
O principal fator dessa realidade não é a falta de capacitação do trabalhador para a atividade, não saber operar a máquina ou se distrair, provocando acidentes. É sim o modo de produção capitalista, a acumulação flexível e a luta de classes. A culpabilização do trabalhador pelas doenças e acidentes do trabalho é sempre a primeira saída da burguesia para a problemática da saúde. Até o estilo de vida, a alimentação e a falta de descanso são desculpas utilizadas pelas empresas para tentar provar a inexistência de nexo das doenças ou acidentes com o trabalho. Contudo, nenhuma dessas questões são escolhas dos trabalhadores e sim imposições do próprio sistema capitalista. O cansaço permanente provocado pelo sobretrabalho, as restrições compulsórias ocasionadas pela baixa renda e as pressões emocionais que fazem, inclusive, os operários trabalharem sem saúde com medo de serem demitidos são, portanto, desconsideradas como fatores de adoecimento e de aumento dos índices de acidentes no trabalho.
No sistema capitalista, sempre foi essencial manter as forças produtivas, afinal a mais-valia não pode ser extraída do trabalho morto. A lógica central da acumulação de capital é a expropriação do valor agregado pelo trabalho humano com intensidade, mas evitando destruir a força produtiva que lhe origina. O processo saúde-doença no ambiente de trabalho é determinado por essa lógica do capital, sua manifestação tem relação com a exploração do trabalho e com a contradição entre a exploração subumana visando à extração máxima da mais-valia e a necessidade de manutenção mínima da força de trabalho para a produção. A reestruturação produtiva e o regime de acumulação flexível já desafiavam descobrir os limites da linha tênue que existe entre a expropriação e a destruição da força produtiva.
Com a crise econômica, os níveis de exploração experimentam limites bastante superiores de intensificação do trabalho, obrigando os trabalhadores a pagarem pela crise trabalhando dobrado de modo a recompensar as demissões. E nesse contexto de maior volume e ritmo do trabalho a questão da saúde com certeza vai submergir revelando a ponta do iceberg. Nas suas profundezas deve revelar as conseqüências dos freqüentes cortes no financiamento da saúde, da falta de resposta do SUS a essa problemática e da ausência do Estado na questão de políticas de saúde que transforme as condições de trabalho e promova saúde. É preciso deixar claro para o trabalhador que a crise econômica é responsável pelo agravamento das doenças, pelo aumento dos acidentes e que o trabalho excessivo vai ocasionar destruição pelo menos parcial de sua capacidade de trabalho.
Assim, compreender a saúde, ou a falta desta, no trabalho requer uma análise quanto à forma de extração da mais-valia e de acumulação do capital. Desde a primeira revolução industrial, os detentores dos meios de produção elaboram estratégias de aumentar a extração da mais-valia. Dentre elas estão mudanças administrativas na produção e repressão a manifestações de resistência dos trabalhadores. A máquina, a divisão do trabalho, a introdução do cronômetro, a linha de produção horizontal, a repetição das atividades, o controle do tempo e do conteúdo do trabalho o sistema de vigia e punição provocaram resultados além do aumento exponencial dos lucros das empresas, promoveram novos desgastes físicos, mentais e emocionais do trabalhador, surgimento de doenças, agravamento de outras e pioras nas condições de saúde do trabalhador. Discutir saúde no trabalho é entender que relação entre saúde e trabalho depende da configuração do mundo do trabalho.
As mudanças no processo e trabalho e na organização do trabalho oriundos da atual reestruturação produtiva promoveram alterações à saúde do trabalhador. No taylorismo, é a organização do trabalho o principal responsável pela degradação da saúde do trabalhador. A fragmentação das tarefas, a falta de autonomia na realização destas e a rígida padronização, flexibilização da produção, marcada pela precarização do trabalho nas condições de execução das tarefas e na contratação, e as novas formas de organização e controle refletem exigências de ritmos, de produtividade e de capacitação e disciplina dos trabalhadores. Tal realidade implica em desgastes físicos e mentais devido à hipersolicitação da força de trabalho. Além de acidentes de trabalho e agravos físicos (como perda de membros, lombalgias, cefaléia, dores musculares, perda auditiva e visual; presentes já nos primeiros relatos sobre a saúde do trabalhador, no século XVIII), aparecem, assumindo importância, agravos de ordem psicológica e emocional, como o estresse, a depressão, síndrome do pânico e o suicídio.
Seria um erro aqui afirmar que, em todo esse processo de mudanças no trabalho, não existiram discussões sobre a saúde dos trabalhadores e elaboração de práticas visando minimizar os efeitos do trabalho na saúde. Sim, existem teorias que orientaram modificações ergonômicas no ambiente (como máquinas e instrumentos), programas de assistência à saúde e de prevenção a acidentes ocupacionais. A tecnologia, a introdução de máquinas computadorizadas que exigem menos esforço físico na operacionalização e que possuem ajustes de segurança, reduziram os acidentes de trabalho mais graves, como perdas de membros ou mortes. No entanto, essas ações significaram, em ultima instância, adaptações do homem ao trabalho visando à intensificação da atividade e, assim, aumento da produtividade. Não existe melhoria real da qualidade de saúde dos trabalhadores, a exploração persiste e as doenças também.
Nesse sentido, a saúde dos trabalhadores sempre foi uma preocupação para a burguesia, muito embora, esse conceito não tenha a mesma significação do que atribuímos. Para o burguês, a saúde do trabalhador limita-se às condições físicas e mentais que lhe permitem trabalhar por horas sem permitir a queda da produtividade, sem faltar ao serviço e sem atrapalhar a execução do mesmo. A preocupação real da burguesia é explorar ao máximo antes do aparecimento da doença, e para isso vale inovações na tecnologia e exercícios de relaxamento antes da atividade produtiva. Quando a doença se torna visível, ou seja, quando a produtividade diminui, a resposta que a empresa dá ao trabalhador é punição, assédio moral e demissão, a substituição por outro trabalhador sadio. A real preocupação da burguesia é manter a força de trabalho sadia-produtiva.
Todo esse processo descrito, de mudanças no trabalho e intensificação da precarização da saúde do trabalhador se configuraram não apenas no campo administrativo, mas principalmente político. A luta de classe é o grande balizador: a saúde do local de trabalho perpassa os conflitos e as disputas entre as classes. A classe operária sabe que o trabalho é o responsável pelos prejuízos na sua saúde e, assim, tentam resistir a essa lógica através de ações individuais de resistência ou pela organização. Do outro lado da luta, a burguesia tenta controlar o trabalho e os trabalhadores, com o apoio do Estado e de organizações reformistas da própria classe trabalhadora.
O Estado, entendendo a importância dos trabalhadores para o sistema capitalista se preocupa com as possíveis conseqüências dos conflitos do trabalho, por isso na medida do possível dentro da lógica burguesa concede certos direitos e tenta através das Leis Trabalhistas e Normas Regulamentadoras (NR) mediar os conflitos entre a classe operária e a burguesia, tentando evitar as manifestações dos trabalhadores. A CUT, a CTB, o PT e o PCdoB e outras organizações reformistas, localizam-se ao lado do Estado e do patronato, prevenindo as lutas radicais da classe e realizando acordos favoráveis aos empresários, sendo instrumentos de legitimação da exploração dos trabalhadores.
A importância do partido revolucionário
O papel do partido revolucionário é o de organizar esses trabalhadores aproveitando que a classe operária não é alheia às conseqüências nefastas do trabalho e tenta resistir em meio à desfavorável correlação de forças. É preciso utilizar a questão da saúde como instrumento de elevação da consciência da classe, mostrando que não adianta conseguir pequenas conquistas que resolvem as questões imediatas ou gratificações e ações judiciais que reparem financeiramente os danos à saúde, se não combater o sistema que origina os danos e subsiste exatamente por isso.
No programa socialista de saúde é inconcebível uma visão pormenorizada que limite-se pela sua função no processo produtivo. Por isso, o nosso desafio inicial é rediscutir esse conceito de saúde e apontar um programa que dê conta da integralidade e da libertação dos sujeitos. Esse programa precisa buscar mudanças nas condições de saúde dos trabalhadores para além do ambiente ou processo fabril, onde é freqüente a existência dos trabalhadores sem saúde, até porque estes são frutos da maior expropriação da mais-valia pela extrema exploração da força de trabalho. Nos marcos do trotskismo tal programa deve acompanhar as consciências e as experiências das massas, por isso precisa ser construído com a ajuda dos trabalhadores.